PARÁBOLA SOBRE A NATUREZA HUMANA.
Mewenge era um homem muito pobre. Habitava numa clareira, perto das margens do rio Cubango, sabendo que era Quiôco, mas não sabendo se seria Zairense ou Angolano.
Os seus parcos haveres - um catre e alguns utensílios - permaneciam dentro da cubata de adobe e colmo, pousados sobre um chão de terra batida que se transformava em lama sempre que a chuva era mais forte.
Mewenge trabalhava árduamente uma terra de ninguém, da qual extraía um pouco de mandioca e algumas raquíticas espigas de milho.
Na realidade Mewenge era presa de uma imensa miséria!
Por vezes comentava com o vizinho, que vivia em idênticas condições, as hipóteses de escapar daquela espiral de fome e dôr que a ambos assolava, mas sempre obstáculos de toda a ordem lhe toldavam o vago e inatíngivel horizonte dos seus sonhos.
Perto do lugar onde habitava, sobre um monte de pedras seguras por uma argamassa de terra, o pôvo vinha adorar uma estatueta sinistra de uma divindade a que chamavam de Kuba. Era uma estatueta informe, feita num minério, que de oxidado se tornara castanho, de feições grosseiras, olhos vazios e com a bôca ornada grotescamente com dois dentes humanos, grandes como favas e amarelados pelo tempo.
Um dia, em desespero de causa, Mewenge pegou nuns tubérculos de mandioca que suara para tirar da terra, e seguindo o ritual, foi junto do Kuba fazer uma oferenda. Depositou a mandioca aos pés da grotêsca divindade, encheu um pequeno cachimbo com “boi-cola” e enquanto tragava largas baforadas daquela excelente Canabis, pediu melhor sorte para si.
No tropôr que se seguiu, Mewenge ouviu o Kuba falar-lhe dentro da cabeça e o Kuba disse-lhe: “Meu bom Mewenge, és um desgraçado de um homem e ninguém merece tal desgraça. Assim vou te conceder o que me pedires, mas fica sabendo que aquilo que eu te conceder, concederei em dôbro ao teu vizinho. Agora vai! Pensa no que queres que te seja concedido e volta amanhã com a resposta."
Mewenge acordou em sobresalto. Já não estava junto do ídolo, mas deitado no seu catre. Não tinha a certeza de nada do que se passara, mas pelo sim e pelo não, começou a meditar no que deveria pedir.
Um boi... Dava-lhe jeito para arar o solo... Talvez uma vaca, que sempre poderia dar um pouco de leite...
De repente, a visão do seu vizinho com dois bois, ou duas vacas, desanimou-o: Que diabo! Porque é que o vizinho havia de ter o dôbro se a oferenda fora toda sua? Não! Não queria nem bois nem vacas!
Talvez dinheiro... Porque não? Com dinheiro poderia comprar alimentos, ferramentas e utensílios. Mas porque é que o vizinho havia de receber o dôbro? Não, isso ele não queria!
Passou a noite em branco, remexendo-se no catre, tentando imaginar o que haveria de pedir. O dia passou-se de igual modo, com Mewenge tentando imaginar algo que pudesse pedir sem que a anunciada melhor sorte do vizinho não lhe causase tanto mal estar. Remexeu nos seus pretences e agarrou uma cabaça de vinho de palma que ele destilara para consumir numa ocasião especial, e começou lenta mas deliberadamente a bebê-la, não tardando a ficar embriagado.
No entanto, o tremendo dilema em que o Kuba o lançara parecia não ter solução.
No fim da tarde dirigiu-se lentamente para o santuário. Os seus passos não eram firmes, mas conseguiu chegar lá com alguma facilidade. Sentou-se em frente da horrível estatueta, acendeu o cachimbo de “boi-cola” e aguardou o prometido contacto com a divindade.
Passado algum tempo, na confusão que imperava na sua cabêça, Mewenge ouviu o Kuba inquirir: “Então, já escolheste a dádiva que queres receber e que será dada em dobro ao teu vizinho?”. Mewenge, toldado pela droga e pelo alcool, pensou uma última vez e de forma decidida respondeu: “Já escolhi! Quero que me cegues um olho!”
Nota: Como não quero ser acusado de plágio, desde já aviso que a base da história já era conhecida por mim. Limitei-me a romanceá-la um pouco.
Diário de Bordo da Nave Espacial "Terra" - Tempo Estelar da Nova Era - 6 de Dezembro de 2003
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