quarta-feira, 31 de dezembro de 2003

THE "LAST CHANCE" POSTS OF 2003 (III).

Acerca da nossa lingua.
De facto nunca tinha tido uma consciência concreta do "sarcasmo Peninsular", conforme o classifica o excelente blogue de Alexandre Soares da Silva.
Acerca da lingua Lusa, diz Alexandre o seguinte:

O desprezo é a distinção dos portugueses. Não há língua tão boa para desprezar. A bílis lusitana, o asco, o sarcasmo peninsular - esse sentimento que arqueou o lábio superior de Nicolau Tolentino, encaneceu Camilo Castelo Branco e esverdeou o rosto de Eça de Queiroz - aparece gloriosamente, de armadura completa e penacho por cima, nas cantigas de escárnio e mal-dizer. Está na língua toda. Em Portugal a peste negra era chamada de dor de levadigas, Deus meu. Talvez a intenção não fosse ridicularizar a doença, mas o efeito é o mesmo; e no mínimo mostra um certo desrespeito... Parolo, pascácio, lorpa, badameco, bucha - todas as línguas são cheias de xingamentos, mas em português os xingamentos são mais ridículos e doem mais.
Os personagens de Eça de Queiroz, se fossem engenheiros da NASA, não seriam capazes de mandar gente à lua. Um deles seria mostrado arrotando champanhe vagabundo na casa da amante gordinha. Um outro recebendo massagem no couro cabeludo com um emplastro anticaspa fedido e amarelo. Seriam ruins em matemática, e jogariam (mal) xadrez nos cafés enquanto falam idiotices sobre política. Se levantariam todos às pressas para puxar uma cadeira para o “excelentíssimo senhor comendador”... Ah, acho estranho que o livro central da literatura portuguesa tenha sido escrito por um homem incapaz de desprezar, que foi Camões. Que, mesmo quando desprezava, desprezava nobremente, antilusitanamente. O pendor para a antigrandiosidade, para o enxovalho e o ridículo, já estava nítido n’ A Demanda do Santo Graal, quando Mordred virou Morderete e disse: “Ai, por quem sois?” A nossa língua não é pra ter saudades, é pra dar bengaladas - com a panache e o sotaque de uma varina brigando na rua.


Pois é, amigo Alexandre, graças a Deus que os personagens de Eça não eram engenheiros da NASA, pois se o fossem, jamais seriam personagens de Eça. A língua é como uma arma (salvo seja!): É utilizada com a bondade ou maldade que cada um quer, portanto, se na sua opinião, o nosso "xingamento" é superior ao dos outros, só poderá significar que temos uma lingua mais evoluída e mais rica, pois decerto terá uma latitude de adjectivos e de descrição superior às outras.
Nesta prespectiva, para mim isso é bom, e já agora, ainda bem que desse lado do Atlântico aprenderam bem a lição. Sorte a vossa!

Diário de Bordo da Nave Espacial "Terra" - Tempo Estelar da Nova Era - 31 de Dezembro de 2003

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