sábado, 27 de setembro de 2003

A RAZÃO DAS MINHAS RAZÕES.
Há coisas que difícilmente podemos atribuir ao acaso, se tomado como acontecimento totalmente casuístico e sem conexão com outras coisas.
Parece chinês, mas passo a explicar:
Acabei de reler o "post" que escrevi acerca da revelação de Giles Châtelet, e do seu livro "Vivermos e pensarmos como porcos", que por ínvios caminhos me foi trazida por Eduardo Prado Coelho. Eu, que tantas vezes o tenho chateado, me penitencio e juro que só volto a morder-lhe as canelas se for estritamente necessário.
A releitura do "post" trouxe-me outra revelação, esta mais subtil. No excertos da prosa de Châtelet, entrevi uma tradução interventiva e revolucionária, da mesma revolta, esta mais suave e poética, de Ray Bradbury em Fahrenheit 451. A génese do pensamento é rigorosamente a mesma. Bradbury cêdo se apercebeu que era a singularidade que nos podia salvar e dar um certo sentido à Vida. Em Farenheit 451, numa lógica profundamente equalitária, os homens tinham casas iguais, vestiam roupa igual, tinham carros iguais... Enfim, tudo era igual e portanto a inveja, mãe de todas as tensões sociais, poderia ser banida. Havia apenas uma coisa que não era possível equalizar: A cultura! Por isso os livros eram banidos, e como as casas eram ignífuas, o trabalho do bombeiro Montag era precisamente o de queimar os ilegais livros.
No momento em que, em plena actuação profissional, Montag se apodera de um livro e o começa a lêr, opera-se uma transformação que no fim o irá tornar num proscrito.
Entrevi aqui exactamente o processo cultural que transforma Montag de "homem médio" em "homem qualquer", para utilizar os termos de Châtelet.
Percebem agora o meu já tão antigo entusiasmo pela obra de Bradbury e a minha tremenda expectativa em relação a Giles Chatelêt.
Curioso ter feito há tão pouco tempo duas referências fortes a Bradbury e tão pouco tempo depois deparar-me com alguém que pensa (ou pensou) de forma tão particularmente próxima.
De facto não deve haver acasos.

Diário de Bordo da Nave Espacial "Terra" - Tempo Estelar da Nova Era - 27 de Setembro de 2003

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