O Decálogo não passa da
enunciação simples de dez princípios básicos que deveriam reger a humanidade. O
“Não matarás!” é absoluto, mas fica depois para as autoridades vigentes, a
avaliação da culpa, se foi por maldade, legítima defesa, negligência, etc... No
entanto a base está lá e é absoluta: “Não matarás!”
Claro que Moisés, para
fazer respeitar o Decálogo teve de se impor ao seu Povo, destruindo um blasfemo e pagão Bezerro
de Ouro, que vinha sendo adorado à sombra de orgias, roubos e assassinatos. A
partir desse momento, o simbolismo do Bezerro de Ouro passou a ser utilizado
para infamar e expurgar das Sociedades todos os vícios e desvios que atentavam
contra a sã convivência e respeito pelo próximo, como meio de promover a
concórdia, explicitando bem o que não pode ser feito, e por exclusão de partes,
o que é permitido fazer.
Se repararmos bem, este
devia ser verdadeiramente o papel de uma Constituição: Derrubar os Bezerro de
Ouro e promover a justiça e a concórdia entre os Cidadãos. A regulamentação
desses comportamentos, essa ficaria sempre a cargo das elites dirigentes, que
sempre poderiam divergir nas ideologias, mas nunca nos princípios morais
fundadores do respeito do Homem pelo Homem.
Já em 1215, a “Magna
Charta Libertatum seu Concordiam inter regem Johannen at barones pro
concessione libertatum ecclesiae et regni angliae”! (Grande Carta das
liberdades, ou Concórdia entre o rei João e os Barões para a outorga das
liberdades da Igreja e do rei Inglês), mais conhecida somente por Magna
Carta, foi outorgada, não para defender os poderosos, mas sim para equilibrar os vários poderes e proteger o Povo, e assim, quase 800 anos depois continua a representar a base
Constitucional do Povo Inglês, que pode ser acusado de tudo, menos de antidemocrático.
A constituição dos EUA, redigida por Thomas Jefferson, tem na sua origem pouco mais de uma folha, tendo essa mesma folha promovido a democracia por quase um quarto de milénio.
Por cá, por esta Europa
continental infectada pelos preceitos da Revolução Francesa e seus ideólogos
radicais, entendeu-se que as Constituições deveriam comportar ideologia, com
aquela ideia redutora professada pelas elites inferiores e inseguras, de que o Povo deveria ser
defendido de si próprio, e assim, as Constituições que deveriam ser a prevenção
de noveis Bezerros de Ouro, tornaram-se elas próprias em Vacas Sagradas.
Específicamente entre
nós, após a primordial Constituição de 1820, vieram-nos dizer em 1910 que
TÍNHAMOS de ser Republicanos, em 1933, com o advento do Estado Novo, a "Bem da Nação" não havia
qualquer possibilidade de discordância com o regime estabelecido. Em 1976 disseram-nos que TÍNHAMOS de ser Socialistas, ou tendencialmente
Socialistas(?)!
Curioso, este
entendimento da Democracia, que em certos casos não nos dá liberdade de escolha
e em outros nos impõe a sua própria escolha, sob o argumento de que a
Assembleia Constituinte tinha a representatividade Popular. E não tinha como todos
sabemos, não só pela forma como foi constituída a Assembleia, como pela forma
em que foi votada e aprovada a Constituição!
E assim, retocada mas
intocada na sua carga ideológica, a Vaca Sagrada prosseguiu a sua marcha, ao
sabor de todas as incompetencias governamentais e de todos os interesses
partidários, quando não mesmo de interesses meramente pessoais ou corporativos.
Deste modo, presos na
nossa própria teia, reféns da incúria e estupidez das várias classes dirigentes,
dificilmente conseguiremos enviar a Vaca Sagrada para o matadouro, no qual há
muito deveria ter sido levada a cabo uma piedosa e indolor execução, extirpando-lhe de vez toda e qualquer carga programática.
Entretanto, com o mundo
a mudar à nossa volta, com manifesta incapacidade de gerarmos riqueza, com
condições internas e externas completamente diferentes das de 1976, vamos alegremente
alimentando a Vaca Sagrada, na ilusão de que ela nos protegerá da cólera dos
Deuses, como se pensara há milénios, acerca do profano Bezerro de Ouro.
Com as questões
ideológicas protegidas ou proíbidas pela chamada Lei Fundamental, é de prever
que, de tão alimentada ideológicamente, a Vaca Sagrada que é a nossa Constituição,
acabe por nos soterrar no seu próprio estrume, o qual será inevitávelmente lavado
para as sarjetas pelas mangueiras do progresso.
1 comentário:
Para além do formal mas sincero muito obrigado pelo texto ... quero deixar o meu testemunho de apoio.
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