terça-feira, 30 de outubro de 2012

ACERCA DE “BEZERROS DE OURO” E “VACAS SAGRADAS”.


Não sou historiador, nem mesmo um estudioso, mas a ideia que tenho é de que o primeiro simulacro de um texto Constitucional foi-nos trazido pela mão de Moisés e mais não continha do que um conjunto muito simple de regras, às quais chamámos de “Dez Mandamentos”.
O Decálogo não passa da enunciação simples de dez princípios básicos que deveriam reger a humanidade. O “Não matarás!” é absoluto, mas fica depois para as autoridades vigentes, a avaliação da culpa, se foi por maldade, legítima defesa, negligência, etc... No entanto a base está lá e é absoluta: “Não matarás!”
Claro que Moisés, para fazer respeitar o Decálogo teve de se impor ao seu Povo, destruindo um blasfemo e pagão Bezerro de Ouro, que vinha sendo adorado à sombra de orgias, roubos e assassinatos. A partir desse momento, o simbolismo do Bezerro de Ouro passou a ser utilizado para infamar e expurgar das Sociedades todos os vícios e desvios que atentavam contra a sã convivência e respeito pelo próximo, como meio de promover a concórdia, explicitando bem o que não pode ser feito, e por exclusão de partes, o que é permitido fazer.
Se repararmos bem, este devia ser verdadeiramente o papel de uma Constituição: Derrubar os Bezerro de Ouro e promover a justiça e a concórdia entre os Cidadãos. A regulamentação desses comportamentos, essa ficaria sempre a cargo das elites dirigentes, que sempre poderiam divergir nas ideologias, mas nunca nos princípios morais fundadores do respeito do Homem pelo Homem.
Já em 1215, a “Magna Charta Libertatum seu Concordiam inter regem Johannen at barones pro concessione libertatum ecclesiae et regni angliae”! (Grande Carta das liberdades, ou Concórdia entre o rei João e os Barões para a outorga das liberdades da Igreja e do rei Inglês), mais conhecida somente por Magna Carta, foi outorgada, não para defender os poderosos, mas sim para equilibrar os vários poderes e proteger o Povo, e assim, quase 800 anos depois continua a representar a base Constitucional do Povo Inglês, que pode ser acusado de tudo, menos de antidemocrático.
A constituição dos EUA, redigida por Thomas Jefferson, tem na sua origem pouco mais de uma folha, tendo essa mesma folha promovido a democracia por quase um quarto de milénio.
Por cá, por esta Europa continental infectada pelos preceitos da Revolução Francesa e seus ideólogos radicais, entendeu-se que as Constituições deveriam comportar ideologia, com aquela ideia redutora professada pelas elites inferiores e inseguras, de que o Povo deveria ser defendido de si próprio, e assim, as Constituições que deveriam ser a prevenção de noveis Bezerros de Ouro, tornaram-se elas próprias em Vacas Sagradas.
Específicamente entre nós, após a primordial Constituição de 1820, vieram-nos dizer em 1910 que TÍNHAMOS de ser Republicanos, em 1933, com o advento do Estado Novo, a "Bem da Nação" não havia qualquer possibilidade de discordância com o regime estabelecido. Em 1976 disseram-nos que TÍNHAMOS de ser Socialistas, ou tendencialmente Socialistas(?)!
Curioso, este entendimento da Democracia, que em certos casos não nos dá liberdade de escolha e em outros nos impõe a sua própria escolha, sob o argumento de que a Assembleia Constituinte tinha a representatividade Popular. E não tinha como todos sabemos, não só pela forma como foi constituída a Assembleia, como pela forma em que foi votada e aprovada a Constituição!
E assim, retocada mas intocada na sua carga ideológica, a Vaca Sagrada prosseguiu a sua marcha, ao sabor de todas as incompetencias governamentais e de todos os interesses partidários, quando não mesmo de interesses meramente pessoais ou corporativos.
Deste modo, presos na nossa própria teia, reféns da incúria e estupidez das várias classes dirigentes, dificilmente conseguiremos enviar a Vaca Sagrada para o matadouro, no qual há muito deveria ter sido levada a cabo uma piedosa e indolor execução, extirpando-lhe de vez toda e qualquer carga programática.
Entretanto, com o mundo a mudar à nossa volta, com manifesta incapacidade de gerarmos riqueza, com condições internas e externas completamente diferentes das de 1976, vamos alegremente alimentando a Vaca Sagrada, na ilusão de que ela nos protegerá da cólera dos Deuses, como se pensara há milénios, acerca do profano Bezerro de Ouro.
Com as questões ideológicas protegidas ou proíbidas pela chamada Lei Fundamental, é de prever que, de tão alimentada ideológicamente, a Vaca Sagrada que é a nossa Constituição, acabe por nos soterrar no seu próprio estrume, o qual será inevitávelmente lavado para as sarjetas pelas mangueiras do progresso.

1 comentário:

Carlos Gi disse...

Para além do formal mas sincero muito obrigado pelo texto ... quero deixar o meu testemunho de apoio.