segunda-feira, 22 de outubro de 2012

O RICAÇO E O PELINTRA.


O Fonseca já não via o Antunes há uns bons anos.
Desde os tempos de colégio, nos quais partilhara a sua carteira com ele, as suas vidas divergiram, e só de tempos a tempos, em notícias de jornal ou pela boca de velhos conhecidos comuns, se foi dando conta de que o Antunes tinha subido na vida e se instalara no topo da pirâmide social. Em suma: O Antunes fizera fortuna!
Assim, quando se dirigia para o edifício do velho Colégio, no qual se organizara um encontro dos alunos do seu curso, perguntou-se se o Antunes lá estaria. Teria descido à plebe, com o objectivo de resgatar velhas memórias dos tempos do idealismo e da inocência?
Pois bem, logo que franqueou a porta, o Antunes dirigiu-se a ele, de braços abertos e estreitou-o num estranho, mas efusivo e forte  amplexo.
“Fonseca! Há quantos anos companheiro? Não imaginas as vezes que tenho pensado em ti... que é feito de ti, rapaz? “. Um pouco desconcertado, Fonseca, a quem a vida não tinha corrido de feição, retribuiu o cumprimento e balbuciou um clássico e muito Português“...lá vou andando...”
Trocaram-se mais alguns cumprimentos de circunstância, e como a cerimónia estava chata e a hora do jantar se aproximava, o Antunes alvitrou que fossem os dois jantar para “pôr a conversa em dia”. Um pouco atrapalhado e pensando na escassez do seu saldo bancário, o Fonseca sugeriu, meio envergonhado, que só se pagassem a conta a meias, ao que o Antunes logo acedeu, dando-lhe uma palmada nas costas. “Tal como nos velhos tempos, não é Fonseca?” E lá partiram os dois em direcção à baixa em busca de um restaurante.
O bulício da rua, a vozearia geral, as gargalhadas dispersas, e aqui ou ali, a buzina de um carro, quase causavam tonturas ao pobre do Fonseca, que dava tratos à cabeça para se lembrar de um restaurante digno, mas que não fosse muito caro.
Afinal, ele um pelintra, com um emprego de que não gostava, mal pago e precário, estava ali para jantar com o seu amigo que entretanto se tornara milionário. E se acaso o Antunes lhe arranjasse um trabalho? Poderia ele sugerir isso de forma pouco ostensiva? Seria que ele o ajudaria? Bem podia, caramba...
De repente viu um restaurante que conhecia, que era razoável e acessível, ao qual ele de vez enquanto levava a jantar uma das suas sucessivas namoradas. Agarrou o braço do Antunes e sugeriu: “Olha lá, vamos aqui a este. Eu conheço o pessoal.  Eles são sempre muito simpáticos e...” O Antunes olhou para dentro do restaurante, torceu o nariz e retorquiu: “Eh pá, aqui a comida não presta, vamos antes aquela marisqueira ali à frente.” E a passos largos dirigiu-se para uma marisqueira que exibia na montra uns aquários com os mais diversos crustáceos. O Fonseca titubeou qualquer coisa, tomado de aflição, mas não teve outro remédio senão seguir o outro.
Já sentados à mesa, o Fonseca olhou para a ementa e os seus olhos pregaram-se na coluna da direita, não querendo sequer saber quais os pratos disponíveis.
Quando o criado se aproximou, cumprimentou o Antunes com alguma familiariedade e perguntou ao Fonseca: “Que vai querer o senhor?...” O Fonseca com uma voz meio sumida respondeu: “Olhe... traga-me um bitoque e uma imperial.” O Antunes, sem levantar os olhos da lista pediu: “Olhe, para mim é uma lagosta à Thermidor e uma garrafa de Vinho Verde Alvarinho muito fresca.” Pousou a ementa, olhou o Fonseca nos olhos e perguntou-lhe: “Finalmente, explica-me lá o que tens andado a fazer estes anos todos?” Com a voz sumida, e pensando já no cheque sem cobertura que iria ter de passar para pagar a metade do jantar, respondeu: “Ora, nada de especial... sabes como é? Trabalho, umas festas, umas miúdas de vez em quando, enfim... tu sabes, o costume!” e com uma certa melancolia apercebeu-se naquele momento de que nada na sua vida iria mudar.

É uma historieta que me apeteceu escrever, e que teve basicamente como modelo inspirador o que aconteceu a Portugal quando decidiu aderir ao Euro. Uma fábula que de algum modo pretende ilustrar a imprudência política e o desastre económico que foi a entrada de Portugal na moeda única Europeia.
Pouca cautela, ambição e no fundo querer fazer-se passar pelo que não era e assim, como o “Fonseca”, estamos a pagar metade de um jantar, pantagruélico para alguns, mas muito modesto para outros.
Ao abdicarmos da nossa moeda e aderirmos a um espaço monetário que enquadrava moedas  fortes, como o Marco, o Florim e até o Franco, ajudámos, juntamente com outras economias fracas, a manter o Euro com um câmbio baixo, potenciando e ajudando as exportações das economias ricas, enquanto nós, sem competitividade e afogados em dívidas, não temos qualquer instrumento para relançar a nossa economia.
Se neste momento a Alemanha, por exemplo, tivesse moeda própria, com o dinamismo da sua economia e os superavits comerciais que possui, o Marco estaria muito mais valorizado do que o Euro, e aí pergunto-me a quem venderiam eles os seus Mercedes, Audis’s e BMW’s.
Perante esta perspectiva, só um tonto ou um ingénuo pode sonhar com a solidariedade Alemã, e consequentemente da UE,  pois isso seria totalmente contra os interesses das mais dinâmicas economias Europeias. Quanto mais economias na Europa estejam em dificuldades, mais competitivo fica o Euro para os Países do Norte, e assim permaneceremos, agrilhoados a esta moeda maldita, não para nosso interesse, mas para interesse dos outros.
Quanto a nós, os pelintras, temos de agradecer a Mário Soares e a Cavaco Silva a imprudência de terem ido jantar com o “Antunes” Europeu, que é como quem diz, com quem beneficia muito mais do que nós com a actual situação.
Por esta razão é necessário que Portugal se mentalize que se quer continuar a ser um País soberano,  É URGENTE SAÍR DO EURO!

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