Teria eu aí uns oito anos quando recebi de presente de Natal a minha primeira espingarda de pressão de ar.
Era um modelo rudimentar, com pouca força, mas que representava um pequeno sonho realizado, já que uma das coisas que eu mais ambicionava na época era "ir aos pardais" como os meus amigos mais velhos.
O desenvolvimento das circunstâncias que rodearam a compra e oferta daquela caricatura de arma, só os vim a conhecer um pouco mais tarde, mas revestem-se de todo o exotismo e originalidade que sempre caracterizaram de forma indelével todas as acções que envolviam o meu Pai.
Já farto da minha pedinchisse, e como se aproximasse o Natal, decidiu comprar-me a almejada espingarda de pressão de ar. A minha Mãe, quando viu o artefacto chegar a casa, amiga dos animais como só ela conseguia ser, argumentou que não concordava nada com a oferta, já que achava uma selvajaria andar pelas ruas a abater inocentes pardais, que nem para comer serviam. Por seu lado, o meu Pai não discordou em absoluto do argumento e informou que ia tomar as suas providências.
Já farto da minha pedinchisse, e como se aproximasse o Natal, decidiu comprar-me a almejada espingarda de pressão de ar. A minha Mãe, quando viu o artefacto chegar a casa, amiga dos animais como só ela conseguia ser, argumentou que não concordava nada com a oferta, já que achava uma selvajaria andar pelas ruas a abater inocentes pardais, que nem para comer serviam. Por seu lado, o meu Pai não discordou em absoluto do argumento e informou que ia tomar as suas providências.
Comprou uma grande e espessa placa de cortiça e uns dardos próprios para a
espingarda, com a ideia de que eu iria praticar tiro ao alvo. Depois, olhou
para a cortiça e achou que mesmo que lhe desenhasse um alvo, o artefacto era
muito pouco atractivo e por consequência decidiu fazer as coisas à maneira
dele, ou seja, da forma menos convencional que se possa imaginar.
Tinha adquirido há poucos meses uma caríssima enciclopédia da editora Grolier,
magnificamente ilustrada com fotografias e desenhos impressos sobre um espesso
e brilhante papel couché. Assim, agarrou numa tesoura, foi-se às nove ou dez
páginas relativas aos Dinossauros, destacou-as do volume e entreteve-se
durante horas a recortar com notável perícia os animais, um por um. Após esta
morosa operação, colou-os todos na placa de cortiça, de forma mais ou menos
aleatória e atribui-lhes pontuação, conforme a sua ideia do que poderia valer
um troféu daquele calibre. Lembro-me como se fosse hoje que o Tyranosauro Rex
valia 100 pontos e era o mais valioso de todos.
Pode-se bem imaginar o meu ar esbugalhado ao receber tão espectacular presente
de Natal. Durante três ou quatro dias, encostava o alvo na parede da sala, e
diligentemente tentava acertar no T-Rex. À volta do alvo, o reboco da parede
foi sofrendo algumas consequências, e para desespero da minha Mãe, cada vez que
um dardo falhava a cortiça lá saltava um pouco de estuque da sala de jantar.
Claro que ao quinto dia, com alguns escudos que recebera também pelo Natal,
dirigi-me à Drogaria do Sr. Pedro e comprei uma caixa de chumbinhos
"Diabolo" e fui com os meus amigos dedicar-me ao massacre dos
desgraçados pardalitos, que em boa verdade, dado o modêlo rudimentar da
espingarda, pouquíssimos foram atingidos.
Quando o meu Pai morreu a enciclopédia Grolier veio-me parar às mãos, e apesar
de irremediávelmente mutilada, não pude conter umas lágrimas quando a folheei e
encontrei o local onde antes tinham existido as lindíssimas páginas sobre os
Dinossauros que haviam decorado o meu fantástico alvo. E era assim o meu
Pai...
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