Ainda hoje,
tantas décadas passadas sobre as minhas primeiras leituras, rio com gosto da
crítica mordaz e viperina que ele faz da sociedade portuguesa, pois na
realidade, tudo aquilo que ele escreveu continua a servir como uma luva ao
nosso país e à sociedade que o povoa.
Há tempos
circulou na "net" uma caricatura do escritor a ilustrar uma das suas
frases mais divertidas: "O governo não cai porque não é um
edifício, sai com benzina porque é uma nódoa!"
Et voilá!
(como diria Eça no seu geito meio afrancesado) Nada mais adequado à presente
situação política do nosso país.
Numa linha
mais séria, mais preocupada mesmo, Eça produziu esta preciosidade de análise
política e social no primeiro número de "As Farpas", há mais de 130
anos:
«O país perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão
dissolvidos, as consciências em debandada, os caracteres corrompidos. A prática
da vida tem por única direcção a conveniência. Não há princípio que não seja
desmentido. Não há instituição que não seja escarnecida.
Ninguém se respeita. Não há nenhuma solidariedade entre os cidadãos.
Ninguém crê na honestidade dos homens públicos. Alguns agiotas felizes
exploram. A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na
inércia. O povo está na miséria. Os serviços públicos são abandonados a uma
rotina dormente. (...)
O Estado é considerado na sua acção fiscal como um ladrão e tratado como um
inimigo. (...) A certeza deste rebaixamento invadiu todas as consciências.
Diz-se por toda a parte: o país está perdido!»
Eça de Queiroz, 1871
Será que o
escritor tinha dons premonitórios que lhe permitiriam fazer uma quase
adivinhação do que passaria neste Portugal do Sec. XXI?
Infelizmente
não me parece que assim seja. De uma forma muito objectiva sou obrigado a
reconhecer que, para além do génio e do humor de Eça de Queiroz, se esconde uma
trágica e dramática realidade: Portugal não evoluíu nada, mas mesmo nada, nos
ultimos cento e trinta anos.
Cristalizado
no tempo, o País arrasta-se penosamente na direcção de uma miragem chamada
Europa que como todas as miragens parece afastar-se cada vez mais, à medida que
se tenta caminhar na sua direcção.
As gentes,
gemebundas e pessimistas, vituperam os governos como se a culpa de eles lá
estarem não fosse sua. Queixam-se da sua pobre condição de Portugueses como se
essa condição não fosse o fruto colhido da sua inépcia e preguiça. Em última
análise queixam-se de si próprios, arranjando mil desculpas e nenhuma
responsabilidade.
Será que
esta "sopa" europeia que, sinistra e meticulosamente, se prepara nos
misteriosos corredores de Bruxelas não funcionará como a benzina e apagará de
vez esta nódoa encardida em que se tornou a sociedade portuguesa?
Apenas uma
questão de fé me impede de acreditar em semelhante desfecho, e o mesmo se
passou com Eça, que criticando ferozmente a sociedade portuguesa sua
contemporânea, acabava sempre por defendê-la e descupá-la, por vezes até
carinhosamente.
"Devemos
sempre falar patrióticamente mal as línguas estrangeiras", afirmava ele na
finura da sua ironia.
Entretanto
por cá continuamos cristalizados, parados no tempo, à espera que um factor
externo à nossa vontade, que qualquer "D. Sebastião" ou, quem sabe,
que um milagre divino nos ajude finalmente encetar um caminho de progresso.
No fundo,
como cantava a fadista: "Tudo isto é triste... Tudo isto é Fado!"
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