Um dia o meu
Pai levantou-se mais cedo, e de fita métrica em punho desatou a tirar medidas a
uma parte lateral do nosso jardim que já quase confinava com as dunas da praia.
Mediu, tornou a medir, fez umas marcações no chão e virando-se para nós que o
observávamos com expectativa, anunciou com a pompa que lhe era peculiar:
"Vou construir uma piscina!"
A obra lá começou. Para além do facto de não existirem as máquinas de hoje em
dia, o acesso aquele canto do jardim era complicadíssimo, já que para um dos
lados tinha umas escadas, e para o outro uma estreitíssima cancela que dava
passagem para as dunas, isto tudo entalado entre a parede da casa e o muro do jardim. Os homens afadigavam-se com pás, enxadas e carrinhos de
mão, cavando naquela areia que insistia em escorrer para dentro da cova já
aberta. Sobre a supervisão autoritária do meu Pai, a cova lá foi crescendo, de
tal maneira que já tinha quase o dobro do tamanho da planeada piscina. Depois, lá se conseguiu montar uma cofragem e
começou-se a construir aquele grande tanque com cimento ao qual tinha sido
adicionado um pigmento amarelo-mostarda (?), de modo a que a piscina tivesse a
cor por ele idealizada.
Finalmente um dia ficou pronta: Um tanque de cimento amarelo-mostarda, com
quatro metros por dois, uma profundidade de um metro e meio e umas escadinhas a
um dos topos.
Canalização não existia! Também, para quê? "Skimers", filtros,
motores eléctricos, etc... Eram coisas que, além de estarem pouco divulgadas na
época, foram olimpicamente ignoradas, já que o seu custo inviabilizaria a nossa
piscina.
Demorou cerca de dois dias a ser enchida com uma mangueira e finalmente ficou
pronta para uso.
Foi uma
festa! Todos demos mergulhos, chapinhámos e brincámos enquanto o meu Pai
anunciava enfáticamente que o almoço iria ser servido na piscina.
Passados três ou quatro dias a água começou a adquirir um suspeitíssimo tom
esverdeado, tornando-se pouco convidativa. "São só micro algas. Não tem
perigo nenhum!" Opinava o meu Pai, que na altura já era o único a
mergulhar naquelas águas sombrias. Mais algum tempo passou, e a água, de
esverdeada passou a negra. Pouco tempo depois já se divisavam naquelas águas
paradas, as primeiras larvas de mosquito.
"Tem de se mudar a água." Dizia ele, puxando pela cabeça, pois sabia
perfeitamente que não tinha sido instalado nenhum ralo no fundo.
Um dia chegou a conta da água e olhos quase lhe saltaram das órbitas quando se
apercebeu quanto iria pagar por ter enchido a piscina uma só vez.
A partir desse momento, a piscina morreu!
Mais ninguém pensou nela até ao dia em que a água começou a cheirar realmente
mal e os mosquitos tornaram as noites insuportáveis. Lá se chamaram os
bombeiros que com uma bomba motorizada esvaziaram de vez a nossa mal sucedida
piscina.
Parecia o
fim da história, mas com a chegada do inverno, as águas das chuvas
acumulavam-se-lhe no fundo e o ciclo de incómodos recomeçava. Então lá vieram
os homens outra vez, não para arranjar a piscina, mas sim para a encher de
areia até à borda.
Durante algum tempo a única coisa que dela se divisava, era a borda
amarelo-mostarda, ligeiramente boleada que assomava da areia. Depois, com as
nortadas violentas de Março, até isso as areias das dunas acabaram por cobrir.
Há muito que não passo sequer perto dessa casa e nem sei se ela ainda existe,
mas em caso afirmativo, pergunto-me com alguma curiosidade se os actuais
residentes suspeitarão que têm uma piscina sepultada no jardim.
E era assim o meu Pai...
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