quinta-feira, 5 de fevereiro de 2004

ENCONTRO EM SAMARCANDA.
O destino por vezes parece que nos é imposto. De uma forma ou de outra, na sorte e no azar, somos compelidos a imputar ao destino tudo o que acontece, principalmente o que não nos é particularmente favorável ou aquilo que no nosso intímo sabemos ser de nossa responsabilidade.
Acerca deste assunto, muito tenho meditado na lenda do “Encontro em Samarcanda”.
Reza a história que um rico mercador árabe, percorrendo o buliçoso mercado de Bagdad, encontra a Morte e esta informa-o que dentro de três dias lhe vai levar o mais querido dos seus servos. Aflito, o mercador chama o servo, dá-lhe um saco de moedas e ordena-lhe que viaje para Samarcanda, cidade longinqua e cosmoplita, situada na movimentada Rota da Sêda, enganando assim os desígnios da Morte.
Dois dias depois, deambulando pela cidade, o mercador encontra de novo a Morte, e esta, surpreendida pergunta-lhe: “Que estranho! Que fazes aqui?”. Atrapalhado, o mercador respondeu: “Exerço o meu míster. Porque perguntas isso?” ao que a Morte responde: “Por nada de especial. Apenas fiquei espantada pois tenho amanhã um encontro com o teu servo em Samarcanda e não te esperava encontrar na Cidade.”
Esta lenda, com todo o seu encanto, levanta no entanto uma questão importante: E se o mercador não tivesse enviado o servo para Samarcanda? Será que desta forma enganaria a Morte?
Esta fábula soberba revela-nos um pouco do mistério que cobre a inevitabilidade, ou não, dessa aparente fatalidade a que chamamos destino. Trata-se pois de uma questão sem resposta: Ou servo morreria em Samarcanda, ou a Morte, fatal e inevitável, não teria marcado o seu encontro com ele se não se tivesse verificado a fuga para Samarcanda.
História sábia, não há dúvida! E com ela apenas podemos aprender uma coisa: De alguma forma podemos talhar o destino, pois de contrário será o destino fatalmente a talhar-nos a nós, o que não é rigorosamente a mesma coisa!
Pelo menos, há algo que o destino nos pode, e deve, proporcionar: Uma longa e séria reflexão sobre aquilo que pensamos e esperamos da Vida, porque na realidade o único destino inevitável que mais tarde ou mais cêdo nos espera, é o verdadeiro "Encontro em Samarcanda", já que a Morte é a única inevitabilidade que conhecemos a partir do dia em que nascemos.

Diário de Bordo da Nave Espacial "Terra" - Tempo Estelar da Nova Era - 5 de Fevereiro de 2004

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