quarta-feira, 29 de abril de 2015

MORRENDO NA PRAIA...

Desenho de Vasco Gargalo
Com o distanciamento possível, de pouco mais de uma semana, está na altura de nos interrogarmos porque é que o Mediterrâneo, mais do que um cemitério, se transformou numa verdadeira vala comum.

Urge também, a bem da humanidade, migrantes incluídos, reflectir em tão dramática situação.

Há que começar pelo princípio, e não pelo fim de toda esta tão triste e sórdida história. Os migrantes que são enfiados em botes para atravessarem a estreita faixa de mar que os separa de Lampedusa ou da Sicília, já constituem um verdadeiro escol, a nata daqueles que se aventuraram a empreender tão perigosa aventura, num verdadeiro processo de selecção natural. São pois os sobreviventes de travessias da selva e do deserto e de várias situações de rebelião e guerra, que pela mão de engajadores sem escrúpulos, conseguem chegar vivos à miragem de uma terra onde corre o leite e mel, e que na verdade não passa de um mito em que por vezes os próprios Europeus querem acreditar.

Deixaram para trás as famílias, venderam os seus parcos haveres, por vezes umas vacas ou umas cabras, e puseram esse dinheiro na mão dos modernos negreiros, que não hesitam em espancar, maltratar ou simplesmente abandonar à sua sorte, quem por razões de disciplina ou saúde interfira com os seus planos ou calendários.

Começaram por fugir da miséria, mas com o agravamento dos conflitos étnico/políticos e religiosos, começaram a fugir com o singelo e mais do que compreensível propósito, que é o de salvarem as suas próprias vidas. Movimentos como o Estado Islâmico no Médio Oriente, o Boko Haram na Nigéria e os extremistas Sudaneses no Kénia entre muitos outros, tornaram-se um perigo incontornável para aquelas gentes... Que fazer então senão fugir?

Do lado de cá da barricada, nesta Europa mal nascida e governada por incompetentes, a Comunicação Social esfrega as mãos de alegria, já que tem notícias palpitantes sobre morte e sofrimento, em vez da insípida e desinteressante política doméstica, sempre igual, apenas agitada por leves tremores quando algum Grego se lembra de dizer que não paga a dívida.

Há tempos, o Papa Francisco escandalizou-se com a indiferença pelas mortes ao largo de Lampedusa, em contraste com as emoções excitadas pelo facto da Bolsa de Milão ter caído 2%... E quanta razão tem este Papa humanista, admirado transversalmente por católicos, outros cristãos, agnósticos e até ateus!

Não falta quem vitupere a Europa e a América, afirmando que ao incentivar e ajudar à queda de Kadafi, abriu de par em par as portas aos migrantes, esquecendo por vezes que esse homem não era mais do que uma espécie de guarda fronteiriço, que enxotava sem dó nem piedade os migrantes, que em vez de morrem à vista da Europa, tristemente iam morrer longe, de fome, de sede ou às mãos dos seus algozes.

Perante o escândalo geral, lá se reuniram à pressa os líderes Europeus e acabaram por produzir um documento lamentável, que evocando finalidades humanitárias, apenas resulta de um reforço de meios aero-navais para impedir as travessias. Uma vaguíssima intenção de combater as redes de tráfico e a destruição dos barcos passíveis de fazer a curta viagem, como a maior parte das declarações deste tipo, não passará do papel. A única coisa certa, é que a pressão sobre os migrantes vai aumentar, empurrados para o mar pelos traficantes por um lado e enxotados para campos de refugiados pelos Europeus pelo outro. A decisão de dar asilo a 5.000 migrantes e repatriar os restantes, uma vez que existe a expectativa de que possam atingir o meio milhão, significa condenar a priori 495.000 seres humanos, senão à eminência de uma morte violenta, ao regresso à miséria mais absoluta, já que se desfizeram de tudo o que tinham para pagar aos negreiros. 

Isto é intolerável!

Que fazer então? A situação, infelizmente, tem aspectos quase irresolúveis, pelo menos no actual contexto em que o Mundo vive.

Abrir as portas sem excepção, seria suícidário: Não só uma imigração maciça transportaria com ela os problemas de que esta gente foge, como iria criar novos problemas com as sociedades onde fossem fixados, com todas as dificuldades culturais e de integração que já são sobejamente conhecidas.

A proposta, mais bem intencionada se bem que utópica, consistiria em  tentar resolver os problemas na sua origem. Mas como? Contar com a colaboração dos Governos locais, é impossível. Em boa parte são eles próprios a exercer a violência, sendo que alguns estão mesmo indiciados pelo TPI, os outros jamais assumiriam a incapacidade de resolver os seus problemas internos. Financiar esses estados apenas significaria o enriquecimento escandaloso das oligarquias dominantes, não sustendo a miséria, logo não quebrando o fluxo migratório.

Alguma coisa poderia ser feita em relação ao tráfego, já que se instalou uma sociologia própria nos campos de refugiados, os quais começam já a ser dominados por sicários e colaboradores das redes magrebinas e não só, a partir dos quais se poderia começar a investigar as redes e o seu funcionamento. Enfim, infelizmente é quase como assistir de forma impotente a um verdadeiro genocídio com vista à extinção de um dado tipo de seres humanos.

Se os mais influentes países da ONU não andassem mais preocupados com a ingerência política, acesso a matérias primas, fontes energéticas, etc... poderia remotamente haver a esperança que por pressão política, diplomática ou mesmo militar, alguma coisa poderia vir a ser feita no sentido de melhorar um pouco a vida destas desgraçadas criaturas. Infelizmente, a conjuntura é exactamente a oposta!



Com a consciência roída pela incapacidade das sociedades e políticos ocidentais serem capazes de resolver tão dramático problema, restará aos Homens de boa vontade, assistindo impotentes a este pesadelo, endereçar uma prece aos céus para que algum tipo de divindade ajude estes migrantes e os poupe ao desespero, de depois de tanto sofrimento, trabalho e indignidades, verem simplesmente as suas esperanças morrerem inglóriamente na praia.

1 comentário:

Academia QI disse...

O QI elevado está relacionado com uma melhor vivência. Estas nobres populações de migrantes, ao terem Educação, terão melhores defesas contra a miséria. É um passo importante a trabalhar para lhes devolver a devida dignidade.