Desenho de Vasco Gargalo |
Com o distanciamento
possível, de pouco mais de uma semana, está na altura de nos interrogarmos
porque é que o Mediterrâneo, mais do que um cemitério, se transformou numa
verdadeira vala comum.
Urge também, a bem da
humanidade, migrantes incluídos, reflectir em tão dramática situação.
Há que começar pelo
princípio, e não pelo fim de toda esta tão triste e sórdida história. Os
migrantes que são enfiados em botes para atravessarem a estreita faixa de mar
que os separa de Lampedusa ou da Sicília, já constituem um verdadeiro escol, a
nata daqueles que se aventuraram a empreender tão perigosa aventura, num
verdadeiro processo de selecção natural. São pois os sobreviventes de
travessias da selva e do deserto e de várias situações de rebelião e guerra,
que pela mão de engajadores sem escrúpulos, conseguem chegar vivos à miragem de
uma terra onde corre o leite e mel, e que na verdade não passa de um mito em
que por vezes os próprios Europeus querem acreditar.
Deixaram para trás as
famílias, venderam os seus parcos haveres, por vezes umas vacas ou umas cabras,
e puseram esse dinheiro na mão dos modernos negreiros, que não hesitam em
espancar, maltratar ou simplesmente abandonar à sua sorte, quem por razões de
disciplina ou saúde interfira com os seus planos ou calendários.
Começaram por fugir da
miséria, mas com o agravamento dos conflitos étnico/políticos e religiosos,
começaram a fugir com o singelo e mais do que compreensível propósito, que é o
de salvarem as suas próprias vidas. Movimentos como o Estado Islâmico no Médio
Oriente, o Boko Haram na Nigéria e os extremistas Sudaneses no Kénia entre
muitos outros, tornaram-se um perigo incontornável para aquelas gentes... Que
fazer então senão fugir?
Do lado de cá da
barricada, nesta Europa mal nascida e governada por incompetentes, a
Comunicação Social esfrega as mãos de alegria, já que tem notícias palpitantes
sobre morte e sofrimento, em vez da insípida e desinteressante política
doméstica, sempre igual, apenas agitada por leves tremores quando algum Grego
se lembra de dizer que não paga a dívida.
Há tempos, o Papa
Francisco escandalizou-se com a indiferença pelas mortes ao largo de Lampedusa,
em contraste com as emoções excitadas pelo facto da Bolsa de Milão ter caído
2%... E quanta razão tem este Papa humanista, admirado transversalmente por
católicos, outros cristãos, agnósticos e até ateus!
Não falta quem vitupere a
Europa e a América, afirmando que ao incentivar e ajudar à queda de Kadafi,
abriu de par em par as portas aos migrantes, esquecendo por vezes que esse
homem não era mais do que uma espécie de guarda fronteiriço, que enxotava sem
dó nem piedade os migrantes, que em vez de morrem à vista da Europa,
tristemente iam morrer longe, de fome, de sede ou às mãos dos seus algozes.
Perante o escândalo geral,
lá se reuniram à pressa os líderes Europeus e acabaram por produzir um
documento lamentável, que evocando finalidades humanitárias, apenas resulta de
um reforço de meios aero-navais para impedir as travessias. Uma vaguíssima
intenção de combater as redes de tráfico e a destruição dos barcos passíveis de
fazer a curta viagem, como a maior parte das declarações deste tipo, não
passará do papel. A única coisa certa, é que a pressão sobre os migrantes vai
aumentar, empurrados para o mar pelos traficantes por um lado e enxotados para
campos de refugiados pelos Europeus pelo outro. A decisão de dar asilo a 5.000
migrantes e repatriar os restantes, uma vez que existe a expectativa de que
possam atingir o meio milhão, significa condenar a priori 495.000 seres
humanos, senão à eminência de uma morte violenta, ao regresso à miséria mais
absoluta, já que se desfizeram de tudo o que tinham para pagar aos
negreiros.
Isto é intolerável!
Que fazer então? A
situação, infelizmente, tem aspectos quase irresolúveis, pelo menos no actual
contexto em que o Mundo vive.
Abrir as portas sem
excepção, seria suícidário: Não só uma imigração maciça transportaria com ela
os problemas de que esta gente foge, como iria criar novos problemas com as
sociedades onde fossem fixados, com todas as dificuldades culturais e de
integração que já são sobejamente conhecidas.
A proposta, mais bem
intencionada se bem que utópica, consistiria em tentar resolver os
problemas na sua origem. Mas como? Contar com a colaboração dos Governos
locais, é impossível. Em boa parte são eles próprios a exercer a violência,
sendo que alguns estão mesmo indiciados pelo TPI, os outros jamais assumiriam a
incapacidade de resolver os seus problemas internos. Financiar esses estados
apenas significaria o enriquecimento escandaloso das oligarquias dominantes,
não sustendo a miséria, logo não quebrando o fluxo migratório.
Alguma coisa poderia ser
feita em relação ao tráfego, já que se instalou uma sociologia própria nos
campos de refugiados, os quais começam já a ser dominados por sicários e
colaboradores das redes magrebinas e não só, a partir dos quais se poderia
começar a investigar as redes e o seu funcionamento. Enfim, infelizmente é
quase como assistir de forma impotente a um verdadeiro genocídio com vista à
extinção de um dado tipo de seres humanos.
Se os mais influentes
países da ONU não andassem mais preocupados com a ingerência política, acesso a
matérias primas, fontes energéticas, etc... poderia remotamente haver a
esperança que por pressão política, diplomática ou mesmo militar, alguma coisa
poderia vir a ser feita no sentido de melhorar um pouco a vida destas
desgraçadas criaturas. Infelizmente, a conjuntura é exactamente a oposta!
Com a consciência roída
pela incapacidade das sociedades e políticos ocidentais serem capazes de
resolver tão dramático problema, restará aos Homens de boa vontade, assistindo
impotentes a este pesadelo, endereçar uma prece aos céus para que algum tipo de
divindade ajude estes migrantes e os poupe ao desespero, de depois de tanto
sofrimento, trabalho e indignidades, verem simplesmente as suas esperanças
morrerem inglóriamente na praia.
1 comentário:
O QI elevado está relacionado com uma melhor vivência. Estas nobres populações de migrantes, ao terem Educação, terão melhores defesas contra a miséria. É um passo importante a trabalhar para lhes devolver a devida dignidade.
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