quarta-feira, 6 de maio de 2015

TAL E QUAL COMO PILATOS.

Escrito em Outubro 16, 2005

Todos nós vimos, uns com mais horror, outros com menos, as chocantes imagens dos imigrantes clandestinos que demandavam o “El Dorado” Europeu através das fronteiras de Ceuta e Melilla.
Na minha perspectiva, a única razão que leva o Ser humano a enfrentar uma selvática repressão, a rasgar as carnes nas cercas de arame farpado e lançar-se no vazio de alturas superiores a três metros, só pode radicar na certeza quase absoluta de que para trás fica uma miséria insuportável ou uma morte quase certa.
As imagens pungentes de repatriados, algemados e enfiados em camionetas, chorando e gritando como crianças, não pode deixar indiferente, nem o mais duro dos corações. A mesma lógica que preside às grandes manadas de gnus que atravessam em massa os rios africanos em direcção ao Serengueti, sabendo que vários indivíduos serão fatalmente sacrificados aos crocodilos para que o grosso da manada consiga passar, transposta de forma cruel para a raça humana, não só é deveras dramática como fere profundamente a dignidade de qualquer ser humano.
Na última grande “vaga” que tentou transpor as barreiras erguidas pelas exigências do famoso espaço Schengen, a “Guardia Civil” manifestou o seu espanto pelo facto dos indivíduos envolvidos terem reagido às balas de borracha e bastões, à paulada e à pedrada.
Realmente, até esse momento, os desgraçados esfaimados, cansados e explorados por engajadores, tinham-se limitado a levar pancada com humildade e estoicismo. Ao que parece, o facto de se tentarem defender foi um facto novo e alarmante.
E realmente é alarmante, pois se insistirem numa política de defesa fronteiriça relegada para a sua última linha, é possível que um dia, em vez de paus e pedras comecem a levar com granadas e fogo de AK-47 com umas morteiradas à mistura.
A Europa, incluindo este nosso Portugal, para além de se condoer de forma ligeira com este inominável sofrimento alheio, encolhe os ombros, e como Pilatos lava daí as suas mãos, enviando para o local uma “missão técnica”, seja lá o que isso for, considerando basicamente que esse é um problema Espanhol e que será a Espanha a ter de o resolver.
A verdade é que a Europa, e o Ocidente em geral, ainda não se compenetraram de que grande parte do seu bem-estar só é possível à custa da miséria dos países mais pobres.
Para não ir mais longe, basta referir as situações escândalosas provocadas pela PAC e pelos subsídios ao algodão dos EUA, que lançam na miséria as economias agrícolas do 3º mundo para que os agricultores Americanos e Europeus se possam passear regaladamente nos seus Mercedes ou BMW’s, escutando CD's de alta qualidade e disfrutando do conforto do ar condicionado.
Parece um discurso de esquerda, não parece? Mas não é! Não passa de um discurso realista.
Para além de qualquer sentimento humanitário que possa aflorar à nossa tão degrada consciência, trata-se basicamente de uma questão de sobrevivência. Não se esqueçam de que os pobres e miseráveis são em muitíssimo maior numero do que os remediados, ricos e riquíssimos ocidentais e no dia em que a sua sobrevivência imediata estiver em perigo absoluto, marcharão decidida, paulatina e tragicamente em direcção ao que consideram a solução dos seus problemas imediatos, sem olhar a mortos e feridos de um ou de outro lado, tal como os gnus no Serengueti durante a travessia dos rios.
No fim da II Guerra Mundial, a clareza de alguns políticos Americanos apercebeu-se rapidamente de que só conseguiria manter a paz no dito “mundo civilizado” através do seu progresso económico e social. Assim nasceu o plano Marshall e o plano de reabilitação do Japão. Os resultados são conhecidos: A Europa reconstruiu-se, reequipou-se e apesar da sua postura mal-agradecida ao “amigo Americano”, enriqueceu. O mesmo se passou no Japão, o qual se tornou um dos mais fortes e imprescindíveis aliados dos EUA.
Enquanto o G8, e os povos Ocidentais no seu geral, não se aperceberem de que a paz no mundo depende de um módico de bem-estar e sobrevivência do resto da população mundial, jamais haverá paz e sossego neste planeta. Por muito que subam as barreiras de Ceuta e Mellilla para seis metros de altura, as electrifiquem e disparem indiscriminadamente para o “lado de lá”, eles hão de entrar na Europa, a bem ou a mal.
Deixem-se de pruridos, arregacem as mangas e abram os cordões à bolsa. Utilizem sem considerações o consagrado “direito de ingerência humanitária”, já reconhecido pela ONU, ataquem o problema na sua origem, tirem de vez do poleiro os governantes corruptos e façam chegar os necessários meios técnicos e financeiros às populações, acabem com o escândalo do subsídio às agriculturas ricas e usem esse dinheiro para subsidiar as agriculturas pobres.
Enfim… Por uma vez na vida, tenham os tomates no sítio!
Enquanto os Europeus andarem preocupados com os seus “direitos adquiridos”, com as preocupações sociais viradas apenas para o seu umbigo e continuarem a lavar as suas mãos, como fez Pôncio Pilatos, em relação aos dramas insuportáveis que se passam fora do seu “quintal”, bem podem aspirar à Paz e ao Bem-estar, pois com esta forma de actuar jamais os irão alcançar.

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