Lembro-me de um divertidíssimo conto
(penso que da autoria de Robert Heinlein), no qual era relatada a chegada à
Terra dos Venusianos, já muito anos após a extinção da Raça Humana.
Os arqueólogos Venusianos, entre os
vários artefactos que encontraram, deram com uma caixa de lata cujo interior
guardava uma película com fotografias sequenciadas, que eles rapidamente
deduziram que se fossem projectadas a um determinado ritmo, mostrariam como era
a Vida na Terra e de que forma os Terráqueos se comportavam.
Foi então construído um aparelho que
permitia a projecção da película encontrada e que deveria esclarecer o mistério
da extinção da humanidade.
No dia da projecção, perante uma
plateia erudita e impaciente, lá puseram a máquina em movimento e com assombro
assistiram a uma pequena, e incompreensível sequência de imagens, nas quais uns
personagens pequenos corriam desesperadamente e se agrediam no meio de uma
inominável guincharia, batendo com paus, fazendo explodir bombas ou
empurrando-se por precipícios.
Quando terminou a projecção, a plateia
havia emudecido. Como teria sido possível a uma raça com semelhante
comportamento ter tido uma permanência tão longa na Terra. O mistério tornou-se
insolúvel, pois apesar da sua ciência e sapiência, os Venusianos nunca conseguiram
traduzir ou apreender o significado dos símbolos com que terminava a película e
que rezava: Walt Disney Productions.
Vem esta reflexão a propósito de tudo
o que se tem dito acerca do efeito pernicioso dos videojogos, muito
concretamente do Manhunt 2 que foi proibido na Inglaterra e tem despertado
discussão em vários países.
Penso que ninguém achará que advogo a
violência, mas a verdade é que não entendo semelhantes alarmismos.
Na minha geração, para além das brigas
frenéticas da família Donald (provavelmente o que havia sido visionado pelos
Venusianos), lembro-me bem das brutalidades que recaíam sobre o pobre Coyote,
levadas a efeito pelo esperto e perseguido Road Runner.A minha geração assistiu
com entusiasmo à versão que Hollywood forneceu sobre o genocídio dos índios
Norte Americanos, sendo que os heróis sempre foram os mais violentos
exterminadores. O advento dos filmes realistas pôs-nos em contacto com
personagens como Hannibal, the Canibal com direito a nomeação para Oscars e
tudo.Hoje em dia servem-nos à hora do jantar a violência verídica dos massacres
de Bagdad, da faixa de Gaza e do Afeganistão, sem se coibirem de apresentar as
chocantes imagens de corpos desmembrados e ensanguentados: É a violência que
normalmente nos acompanha o bife, fazendo-nos apenas desviar o olhar, por
incomodidade insanável, quando nos apresentam famintos refugiados que se
esgadanham por um punhado de farinha.
Todo este arrazoado vem a propósito
das recorrentes reacções das sociedades em relação aos videojogos e outros
conteúdos, como por exemplo o já clássico Dragon Ball Z".
Em primeiro lugar, embora possa
criticar o mau gosto, acho que as editoras podem publicar o que quiserem sem
que ninguém tenha nada a ver com isso. Estas reacções semi-histéricas de sociedades,
já de si problemáticas, parecem esquecer-se da obrigação de vigilância que os
Pais devem exercer sobre os Filhos, aconselhando-os em relação aos conteúdos
dos seus objectos lúdicos, e não remeter essa obrigação para um Estado que se
quer democrático e pouco interventivo na nossa vida pessoal.
Por outro lado parece-me que está por
provar que haja uma relação directa entre os conteúdos violentos e as acções
congéneres, sendo até que alguns psicólogos defendem que este tipo de conteúdos
apenas serve para aliviar as tensões de um mundo já de si muito agressivo.
Se na realidade houvesse alguma
relação directa entre as coisas, provavelmente eu seria um monstro, já que fui
exposto ao panegírico do genocídio dos índios, às maldades do Tom sobre o
Jerry, às histerias da família Donald, aos infortúnios do Coyote, à
brutalidades do Dirty Harry magistralmente interpretado por Clint Eastwood
e a outros tantas cenas de violência, tais como os desmembramentos levados a
cabo pelo Alien, Etc... Alem disso confesso que não foram poucas as vezes que
me entretive a jogar o Doom, no qual os Nazis espichavam sangue sempre que
baleados ou esfaqueados.
Manifestamente, ao longo dos meus já
muitos anos de vida, não foram estes estereótipos que me modificaram. Na
realidade, o que gera em mim uma certa dureza e impiedade são as notícias que a
televisão me mete em casa nas Nine o´Clock News que tão bem Simon &
Garfunkel corporizaram nos anos 60 ao editarem um disco, cantando a clássica
natalícia música Noite Feliz, tendo como fundo o noticiário real das 21H da
CBS, do dia 25 de Dezembro, relatando as baixas e os horrores da guerra no
Vietnam e de todas as tragédias que nesse dia grassavam pelo globo.
Em vez de se preocuparem com o que os
outros fazem, preocupem-se antes em acompanhar e aconselhar os vossos filhos,
pois esta é a única forma de os proteger.
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