No rescaldo das recentes eleições
autárquicas, uma grande confusão foi estabelecida em relação aos votos em
branco, votos nulos e à abstenção.
Afirmou-se por aí, a torto e a
direito, que o acto de votar consistia num dever cívico, derivado de um direito
conquistado, sendo que qualquer abstencionista passou a ser considerado um
transfuga do sistema, possuidor de pouca cultura democrática e menorizado na
sua capacidade de criticar o sistema, pelo facto de não ter participado nesta
farsa eleitoral.
Só quem quem sofre de profunda
iletracia política, ou é prêsa de outros interesses, pode defender semelhante
posição, esquecendo a forma de como o sistema se defende a si próprio, sem
qualquer respeito pela vontade popular.
Em 2005, todos os partidos, sem
excepção, votaram a favor da alteração constitucional, alterando assim a
leitura de protesto do voto em branco e dando-lhe o mesmo valor do voto nulo.
Em suma, votar em branco ou nulo é não saber votar... no entanto presiste a convicção de
que o voto em branco continua a ser um voto de protesto, não havendo por parte
de TODA a classe política, qualquer vontade de esclarecer este assunto.
Assim, um protesto efectivo,
representado pela abstenção, votos brancos e nulos ficou reduzido ao valor da
abstenção, 47,36%, quando na realidade, se se somarem os votos brancos e nulos,
ter-se-ia uma percentagem de 54,17%, o que mostra bem a falta de capacidade
mobilizadora dos sectores políticos em Portugal. Ainda seria possível juntar
os 6,66% que votaram nos independentes, e assim seria atingida uma
percentagem de 60,83% de recusa no chamado voto partidário.
Como afirmou no Porto Rui
Moreira, se os partidos não perceberam o que se passou no Porto (e ao que
parece não perceberam mesmo!), então nunca perceberão o que se está a passar no
país!
Assim, e tendo sido demonstrado
que a abstenção tem o mesmíssimo valor do voto branco ou nulo, para quê saír de
casa para exercer aquilo a que uns chamam direito e outros chamam dever? Além
de inútil, a verdade é que o voto em branco, não o nulo, representa proventos
para os partidos, dado que são atribuídos proporcionalmente a cada força
política, em função dos seus resultados efectivos, com a respectiva compensação
por parte do Orçamento de Estado.
É bom que os Portugueses sejam
desenganados! Ao votarem em branco, estão a financiar os partidos, que
aparentemente pretendem penalizar...
Por isso, mais do que criticar a
abstenção deliberada, os Portugueses deveriam entender que essa é de facto a
única forma de demonstrar o seu descontentamento em relação a este sistema “sistema”
que se auto-protege e se arroga o direito de fazer ínvias leituras políticas
sobre os valôres da abstenção, atrevendo-se até a menorizar as vitórias dos
chamados “independentes”.
Por outro lado, a “ditadura”
partidária, com a maior das prepotencias, avança com listas de “compadres”,
ignorando completamente os interesses do seu eleitorado e a seguir, vem afirmar
que quem não votou, não tem direito a pronunciar-se sobre os resultados.
Uma redonda mentira!
Se alguém for posto perante uma
escolha impossível, tem todo o direito de não escolher, sem que no entanto perca
qualquer direito a opinar sobre o assunto.
E assim, cá vamos cantando e
rindo, clamando vitórias ou derrotas eleitorais, que mais não correspondem a
cerca de 40% dos votos, já que o significado político dos outros 60% foi
deliberadamente esvaziado de sentido e significado, sem que essa circunstância
apague o direito à indignação de quem não se revê no sistema.
Em virtude destas considerações,
e levando em conta que o sistema se auto-preserva sem qualquer escrúpulo ou respeito
por quem dele discorda, parece da mais elementar justiça de que alguns cidadãos
se orgulhem do direito de não votar.
Na realidade, parece haver uma
verdade há muito esquecida: A política existe para servir os cidadãos e não são
os cidadãos que devem servir a política!
2 comentários:
Votar é um dever porque se ninguém votar estaremos a dizer que preferimos uma ditadura, monarquia ou anarquia!
Votar não é dever coisa nenhuma.
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