quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

A MORTE NÃO É UM DIREITO, É SÓ UMA CERTEZA !


Como um sempre-em-pé, a eutanásia voltou a ser tema de discussão parlamentar com a devida troca de acusações de oportunismo político entre os partidos maioritários, a tal ponto que até conseguiu um regresso, ainda que fugaz, de Passos Coelho à política.

Este facto mostra bem que o tema é suficientemente polémico para voltar ao debate mesmo após tanta discussão e aprovação parlamentar.

Claro que as reservas do Tribunal Constitucional em relação à redacção da lei, vieram baralhar e dar de novo, pelo que é de supor que a lei volte lá sem quaisquer garantias absolutas de constitucionalidade.

Embora me pareça temerário este pioneirismo legislativo, pois ao que parece apenas oito países possuem legislação sobre a eutanásia, o grande argumento de quem defende a lei tem sido a defesa do direito a uma morte com dignidade.

Portanto o Alfa e o Ómega do argumento dos partidários da lei tem-se centrado no direito a morrer com dignidade.

É a dignidade na vida, a dignidade na morte e dignidade para aqui e para acolá...Tudo muito humanista, muito "clean" e muito asséptico, e no dizer de alguns, muito elevado.

Falar de dignidade na morte, é um dos maiores contrassensos que fui repetidamente ouvindo nos últimos tempos. O direito à vida parece ser um direito natural, decorrente de um notável instinto de sobrevivência, e que é imparável na maior parte dos indivíduos das espécies animais racionais e irracionais. 

Quanto a este ponto, parece-me ser uma claríssima evidência!

Sobre a dignidade da morte ocorre-me pensar que a morte não é um direito e não passa de uma fatalidade a quem ninguém escapa. 

Nos tempos românticos, os nobres que combatiam e davam com companheiros gravemente feridos no campo de batalha, aplicavam-lhe aquilo que elegantemente chamavam de "Coup de Grace" - em Português "Golpe de Misericórdia" - talvez para aliviar o terrível acto que estavam a praticar, mas do qual não podiam fugir por manifesta falta de meios logísticos, médicos e científicos para atender aos moribundos.

Pelos vistos voltamos ao espírito do "Coup de Grace", mas agora com outros meios disponíveis que vêm preverter definitivamente o espirito inicial desta prática.

Quem pede para morrer, no fundo está a pedir um suicídio por procuração por não ter a coragem ou possibilidade de o levar a efeito.
Ora um suicídio só tem uma simbólica dignidade quando executado em nome da honra ou num sacrifício por 3ª pessoa, pois fora estes 2 casos, o suicídio, embora muitas vezes compreendido, não passa de uma desistência, de uma fuga e em última análise de uma falta coragem que na realidade, de digno não tem muito.
A morte de uma forma inexorável chegará a todos e ninguém a ela escapará... Insistir na vida quando o território já é da morte, é encarniçamento terapêutico - nome mais popular da prática da distanásia - e esse sim deveria ser proibido, já que o testamento vital permite a qualquer um escolher essa via, e aí simplesmente morre-se sem espalhafato, sem ruído, ou mesmo honradez e muito menos com dignidade!
Não há nada digno na morte, a não ser se ela for fruto de um acto de heroísmo ou de sacrifício desprendido por outrem, de resto normalmente resume-se a um desgosto de quem fica ou a um piedoso comentário do género "que pena, coitado...!"

Uma sociedade consumista e hedonista, profundamente sibarita, e essa sim, com pouca dignidade e com horror a tudo que não seja prazer e conforto, é uma sociedade sem coragem e sem as características necessárias para resistir aos desafios dos tempos e às verdadeiras ameaças que se desenham no horizonte. Uma sociedade que arranja forma de justificar o descartar dos seus sofredores com a falácia de que as pessoas têm o direito de decidir sobre o fim da sua vida, enquanto lhes apresentam um processo com uma enorme carga burocrática, sendo que em última análise a tal morte pedida pelo próprio vai acabar por ser decidida por um administrativo qualquer, sentado num recondito gabinete, que nunca nunca viu ou falou com o doente e que aporá friamente um carimbo no processo com a palavra "execute-se". Uma sociedade com estas características e comportamentos, é uma sociedade velha, exaurida e bastante demente e que talvez o que deseje mesmo é a sua própria eutanásia, sem qualquer dignidade e implementada por gente muito pouco digna...!

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