Na minha meninice, idade de todas as crenças e
ingenuidades, sempre me foi dito que existia um pote de ouro no extremo do
arco-íris.
Nessa época morava em frente ao mar, a escassos metros do
tormentoso mas belo Oceano Atlântico. As dunas, varridas pelo vento
espraiavam-se até ao limite da minha vista perdendo-se depois gradualmente nas
neblinas típicas das praias nortenhas de forma um tanto ou quanto
fantasmagórica.
Por alturas da Primavera, quando os fortes aguaceiros
alternavam com o sol frio mas radioso e transparente, formavam-se com
frequência vistosos e espectaculares arco-íris, por vezes duplos e até triplos.
Era nesses dias límpidos e frios que nos juntávamos ao
fim do dia para observar magníficos ocasos na esperança de vislumbrar o mítico "raio verde", fenómeno fugaz,
que ao que se dizia, rutilava por breves fracções de segundo, no momento em que
o ultimo pedacinho de sol mergulhava nas águas azuis prateadas do horizonte,
lançando no espaço um brevíssimo brilho de cor verde esmeralda.
Confesso que nesses tempos de credulidade nunca vi
realmente o "raio verde", embora por vezes, tanto eu como os
meus irmãos jurássemos a pés juntos que o havíamos vislumbrado, para grande
gáudio e satisfação do meu Pai que afiançava sempre a existência do efémero
fenómeno.
Olhando os arco-íris da minha janela continuava
ingenuamente a acreditar na possibilidade de existir um pote de ouro num dos
seus extremos, embora se me afigurasse impossível procurá-lo, já que
normalmente o seu início se localizava para lá da inultrapassável fronteira da
via férrea e o seu fim caía inevitavelmente no meio da turbulenta e furiosa
rebentação das vagas que continuamente fustigavam a praia.
Uma manhã, bem cedinho ainda, ao olhar pela janela
deparei-me com uma situação extraordinária: A maré estava vazia, com as ondas
bem recuadas para lá da barreira das escuras
rochas, e um magnífico arco-íris, nascido sabe-se lá onde, terminava sobre a
areia molhada a poucas dezenas de metros da minha casa, ali mesmo à mão de
semear.
Vesti-me atabalhoadamente, desci as escadas a "dois-e-dois" e corri pelas
dunas em direcção à praia e ao local onde terminava tão espantoso arco-íris.
Eram apenas algumas dezenas de metros, mas de forma
misteriosa, quanto mais eu me aproximava do fim do arco-íris, mais ele
subtilmente se afastava de mim, mantendo uma distância constante como se eu
corresse sobre um tapete rolante.
Ofegante, continuei a correr até que me dei conta de que
estava já longíssimo de casa e o arco-íris permanecia exactamente à mesma
distância de mim.
Depois foi a desilusão. Um raio de sol mais forte
provocou um ligeiro tremeluzir naquele maravilhoso caleidoscópio que se esfumou
repentinamente como se nunca tivesse existido.
Nesse dia quando me deitei, percebi uma coisa
importantíssima: O pote de ouro devia realmente existir no extremo do
arco-íris, o problema é que este aparentemente tinha uma natureza inatingível,
pelo que deveriam existir melhores formas de chegar ao pote de ouro.
Esta recordação, desgarrada e talvez um tanto espúria,
fez-me reflectir um pouco sobre o rumo de Portugal e do seu Povo durante estes
últimos quarenta anos. Durante esta era de democracia, os Portugueses parece que
ainda não se aperceberam da natureza do arco-íris e continuam em busca do seu
fim à procura do almejado pote de ouro.
De tentativa em tentativa, os diversos governos têm
arrastado o País nesta busca infrutífera. Começaram por construir estradas e
auto-estradas na ânsia de encontrar uma das pontas do arco-íris, depois construíram
um Centro Cultural para melhor se posicionarem para a sua localização. Vendo
que isto a nada os levava, organizaram a Expo 98 e o Euro 2004 pensando que
talvez assim tivessem mais sorte. Agora já cogitam perseguir o fim do arco-íris
através de um caríssimo TGV e de um Aeroporto Faraónico.
Esquecem-se do essencial da questão: A natureza do
arco-íris!
A sua existência é virtual e não passa de um fenómeno de
refracção da luz através de minúsculas e efémeras gotas de água, razão pela
qual, embora o vejamos num local perfeitamente definido, este mudará sempre de
acordo com a nossa localização, pelo que, ainda acreditando que lá se encontra
um pote de ouro, já desisti de o alcançar.
Ao invés disso, arranjei um bom trabalho, trabalhei,
adequei as minhas ambições ao meu horizonte de possibilidades e com a maior das
tranquilidades tornei-me num homem feliz, mesmo sem ter encontrado o ouro no
fim do arco-íris.
Que pena o Povo Português não se conseguir munir de
alguma simplicidade e perceber esta verdade tão básica e tão simples em vez de
continuar a sua vã busca do pote de ouro - que inicialmente parecia residir na
União Europeia - mas que na realidade se encontra na capacidade de trabalho e
diligencia de cada um.
E no entanto não há impossíveis!
Há uns anos, a bordo do "ferry" que liga
Santander a Southampton, sentado no deck e beberricando uma cerveja, observava
o pôr-do-sol no mar alto. Recostado na espreguiçadeira, sem tirar os olhos do
sol que se punha, contava à minha mulher as antigas observações em família e a
vã busca da observação do "raio verde", acrescentando que aquela história
provavelmente não passaria de mais um dos vários devaneios próprios e
característicos do meu Pai.
O sol acabou de se pôr, e para minha estupefacção, no
momento em que o disco dourado mergulhou na falsa e traiçoeira calma do mar da
Biscaia, num relâmpago fugaz e com o incomparável lampejo de uma esmeralda
polida entrevi por um brevíssimo instante o "raio verde" em que não
acreditava.
Pode ser que afinal o Povo Português encontre o seu pote
de ouro no extremo do arco-íris, da mesma forma que eu encontrei o meu "raio verde", não como um
desígnio ou solução de vida, mas tão-somente como mera recompensa de um
trabalho árduo e profícuo.
2 comentários:
Uma maravilha o seu texto!
Também acreditei no pote de ouro...
Muito obrigado pela partilha.
Parabens Zé Maria. Não perdeste o tacto. O teu texto é bom, forte, profundo e cativante. Deverias continuar. Abraço do sempre amigo Albino Zeferino (correspondente diplomático aposentado).
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