Ao
que parece, ninguém ficou espantado com as manifestações na Turquia. Foi fácil
de entender que existiam duas Turquias em confronto: Uma mais progressista e
ocidentalizada e uma outra conservadora e de tendência islâmica.
Para
o comum dos Ocidentais, este era um confronto natural, algo que opunha a
modernidade a um Islão bafiento e castrador, desrespeitador dos direitos
humanos e da igualdade de género. No fundo, todos compreenderam o problema da
sociedade Turca, que como é bom de ver, não se resumia à re-urbanização da
praça Thair.
Já
quando o fenómeno se replicou no Brazil, já se extremaram aí as posições,
havendo pessoas que o conotaram com grandes movimentos sociais de tendência
anarquista e esquerdizante, ignorando totalmente que 30 milhões de Brazileiros
entraram na classe média nos últimos 20 anos, logo com acesso a informação e
tecnologias A que antes não tinham acesso, fenómeno aliás que, mais tarde ou
mais cedo haverá de ser replicado na China.
Claro
que o “Black Block” lá apareceu a partir montras e a incendiar carros, como tem
aparecido em todo o lado em que se esboce o mais pequeno movimento de carácter
social. Normalmente são uma centena no meio de milhares, mas atraem as câmaras de
vídeo e os fotógrafos,como uma lâmpada atrai as borboletas noturnas, e claro, os
“media” adoram apresentar a versão violenta, nunca a versão pacífica.
Com
estas duas explosões sociais, parece termo-nos esquecido de vários movimentos
do mesmo tipo, passados em vários países da Europa, para já não falar da
aparentemente tão distante Primavera Árabe.
O
que se passa,é uma profunda desadequadação das nossas democracias, ditas
Ocidentais, com o seu organigrama rígido e arcaico, às novas formas de comunicação,
congregação e mobilização que têm tido origem na internet.
Aliás
parecemos estar esquecidos que logo no dia seguinte aos ataques da Al Qaeda na
estação de Atoxa em Madrid, José Maria Aznar foi liminarmente apeado do poder,
através de SMS’s que o acusaram, e com justiça, de mentir ao povo Espanhol
sobre a autoria dos atentados, e assim, Zapatero apanhou o poder por acaso,
dado que estava muito atrás de Aznar nas sondagens.
Para
qualquer observador mais atento, este caso poderia ter indiciado o que aí
vinha, mas convenhamos que os políticos contemporâneos não primam pela sua
atenção ao que se passa fora dos seus casulos de poder tecidos em interesses e
ambições pessoais.
A
fraude em que consiste a base das Democracias Ocidentais, radica na ideia que
basta votar de vez em quando em políticos escolhidos pelas chefias, ter algum
activismo sindical ou institucional, para que a Democracia seja plena e
funcione regularmente.
A
verdade é que não o é!
Embora
apregoem com veemência a liberdade de expressão, antes das novas tecnologias,
raros eram os que tinham acesso a orgãos de informação, pelo que a liberdade de
expressão pouco mais era do que aquilo que era dito em conversas de café, jantares
de curso ou durante um jogo de sueca.
Subitamente,
com o crescimento explosivo de utilizadores das redes socias, com destaque para
o Facebook e Twitter, a liberdade de expressão assumiu foros anteriormente
inimagináveis, e a capacidade de mobilização, por uma vez, passou a residir na
Sociedade Civil no seu geral, que é como dizer, na ponta dos dedos de cada
indivíduo.
As
petições públicas proliferaram como cogumelos, sendo facílimo atingir por via
electrónica o numero de assinaturas mínimo, que anteriormente em muito
restringiam a sua chegada aos parlamentos. Brotaram movimentos cívicos com
fartura e vastas multidões conseguiram ser mobilizadas para aquilo a que o “stablishment”
político, timoratamente apelidou de movimentos inorgânicos.
A
incapacidade de lidar com este fenómeno traz consigo uma enorme necessidade de
inovar os procedimentos políticos. Queixam-se os responsáveis de que, sendo
estes movimentos inorgânicos, não há verdadeiramente interlocutores com quem negociar,
e esse é o grande desafio: Quando o Povo não se sente representado pelos seus
políticos, não existe negociação possível. Apenas há que escutar com atenção a “Rua”
e atentar nos grandes anseios dos cidadãos, procurando inflectir as
insatisfações, senão totalmente, pelo menos parcialmente.
A arrogância
política tem de dar lugar à humildade do Serviço Público, e os Governos terão
de agradar mais aos seus cidadãos do que às clientelas, nacionais ou
internacionais que, como moscas, gravitam à sua volta. Será possível admitir
que uma Europa inteira esteja a sofrer privações em função das eleições
Alemãs???
Claro
que seria ingenuidade pensar que os políticos do “stablishment” não tentam
calvagar esta onda. Claro que o fazem, e a maior parte das vezes sem nenhuma
vergonha na cara e com a conivência promíscua da Comunicação Social, o que
aliás os afasta cada vez mais das suas bases sociais, coisa que parece não
terem ainda entendido.
De um
modo geral, o Homem é conservador e as Sociedades não são propensas a grandes
mudanças, a não ser quando a corda estica demais e o divórcio entre elas e a
classe política se torna irreversível. Esperemos portanto que exista um mínimo
de inteligência para entender que algo tem de mudar.
Mudar
e mudar muito!
O
poder político tem de deixar de viver em mancebia com o poder económico pelo
qual se deixou capturar. Como bem notou o movimento “Occupy Wall Street”, têm
de ser os 99% a mandar e não o 1% que actualmente detém o poder. Os Governos e
restantes poderes institucionais, reféns de sistemas partidários obsoletos e de
constituções monolíticas que não conseguem acompanhar a velocidade dos tempos,
têm de perder o monopólio absoluto que exercem sobre a vida política e deixar
que sejam os cidadãos a escolher os seus representantes legítimos, coisa que
com o sistema parlamentar representativo, raramente, ou nunca acontece.
Em
boa verdade, todas as velhas teorias políticas, apoiadas em teorias económicas
completamente obsoletas, elaboradas em alturas em que não existia dinheiro
virtual nem as famosas “off-shore”, já não servem, principalmente a uma
juventude que nasceu com as novas tecnologias e as entende como uma realidade
da sua vida e uma arma para condicionar o poder político. É bom pois que a
classe política faça um rápido “upgrade” aos seus processos e comece a lidar
com estas novas realidades, pois como qualquer grande mudança social, esta tanto
pode trazer benefícios se inteligentemente entendida, como trágicas
consequências se olimpicamente ignorada.
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