quinta-feira, 4 de maio de 2017

ENTRE O FOGO E A FRIGIDEIRA.

A necessidade, quase compulsiva de rotular as pessoas, leva a erros, que embora pouco graves são a demonstração de pouca imaginação, cultura política e maniqueísmo.
O facto de eu me ter declarado Eurocéptico, ter ficado satisfeito com o Brexit e demonstrado alguma simpatia por Marine Le Pen, fez imediatamente de mim um elemento da extrema-direita, mais concretamente, um perigoso fascista.

Sobre a Europa, nunca tive ilusões do destino de realidades que são construídas começando pelo telhado, sem curar da necessária existência de um módico de alicerces, capazes de sustentar a estrutura.

Não tendo desgostado da CEE, na sua vertente específicamente económica - embora a existência da Comissão Europeia e respectiva burocracia  já constituísse um núcleo cancerígeno, pronto a lançar as sua metástase - começou por parecer um projecto viável e interessante.

Depois vieram os tratados, desastrosos, mal pensados e que representaram uma espécie de fuga para a frente, do tipo "depois logo se vê... E infelizmente, viu-se mesmo!

Maastritch lançou as bases dessa arma de destruição maciça de economias, que dá pelo nome de euro. 

Nice, num furor agregador e com uma notável demonstração do secular receio do Imperialismo Russo, apressou-se a integrar a trouxe-mouxe, tudo o que eram países adjacentes à Alemanha, finalmente livres do jugo soviético, não por méritos próprios, mas por mérito de um homem que se apercebeu da triste realidade soviética, e que dá pelo nome de Gorbachev.

Lisboa foi a cereja no topo do bolo, redigido ao gosto dos grandes grupos de tendências hegemónicas, e que ostentam designações como Nova Ordem Mundial, Clube de Bildeberg, Trilateral, etc... e que se destinou a substituir, sem referendos, uma maldita Constituição Europeia vergonhosamente recusada na mesa de votos pela Holanda e pela França.

E assim nasceu uma ficção política que se auto-denominou de União Europeia. Muito a propósito disto, lembro-me de um artigo do respeitado Eduardo Lourenço, no qual ele afirmava que a Europa era "uma utopia à procura de um projecto". Decididamente, esse projecto nunca apareceu, a não ser para reforçar, o já exagerado poder hegemónico da Alemanha.

Aqui chegados, e com a preciosa ajuda da total desrugalação das regras que deveriam sujeitar o capital, o dinheiro deixou de ser a representação simbólica de uma riqueza, o que lhe conferia o estatuto de meio de pagamento, e passou a ser ele próprio, uma mercadoria abstracta, em que activos inexistentes ou derivados de imparidades, passaram a ser agregados em "produtos complexos" artificialmente valorizados, vergonhosamente impingidos aos clientes por banqueiros sem escrúpulos, e que na verdade, mais não fizeram do que falir meio mundo, tornando-o devedor de uma pequena oligarquia, que fácilmente subordinou o poder político, tornando-o, não numa sublimação do lberalismo, com os seus sufixos "neo" ou "ultra", mas naquilo que, para quem é tão atreito à necessidade de rótulos, eu chamaria de "fascismo financeiro".

A crise declarada em 2007, provocada pelos atropelos às boas práticas bancárias, acabou por ter consequências funestas.

A sua principal vítima foi a chamada classe média, cujo comportamento pragmático, serviu nos últimos 70 anos como uma espécie de rgulador da democracia, funcionando como um pêndulo, que girava em sentido contrário, sempre que algum dos "extremos" ameaçava ganhar demasiado poder.
Com o desaparecimento desse "centro" regulador, as sociedades começaram a ser empurradas para os extremos, o que veio ditar a decadência dos partidos moderados, para grande espanto (!?) e escândalo dos seus protagonistas.

Com uma extrema esquerda, com tiques colectivistas, com ideias igualitárias, qualquer estímulo ao sucesso pessoal desaparece, inviabilizando de vez o tão decantado "elevador social" capaz de transportar as pessoas para camadas sociais superiores, mercê o seu esforço e qualidades.

Por outro lado, uma extrema-direita, alicerçada em valores nacionalistas, de protecção de uma globalização em que se é obrigado a competir com gente que ganha salários miseráveis, pode ser mais cativante para os antigos militantes do centro, porque, apesar de tudo, lhes abre perspectivas, ilusórias, de poderem apanhar o tal "elevador social", o que os salários e cargas fiscais aplicados, isso torna-se quase impossível.

Claro que, como todos sabemos, a história é escrita pelos vencedores e por isso a extrema-direita foi indelévelmente associada aos crimes do fascismo e do nazismo, enquanto a extrema esquerda, que engloba gente como Lenine, Stalin, Mao Tse Tung, Pol Pot e outros "beneméritos" prepertadores de crimes tão ou mais hediondos que os de Hitler e Mussolini, parece ter ficado imune a essa vergonhosa reputação, sendo, pelo menos aparentemente muito mais considerada do que o seu extremo oposto.

Com isto não estou a defender nenhuma da partes, nem a atribuir-lhes qualquer tipo de mérito, mas não posso deixar de constatar que a tendência que grassa nas democracias Ocidentais, é a da bipolarização entre os dois extremos, que rápidamente ocuparão o espaço deixado livre pelo centro político em vias de total extinção.

Assim, com um panorama empobrecido como este, e que qualquer pessoa minimamente informada, fácilmente constatará, pouco mais resta a cada um, do que escolher qual das barricadas vai ocupar, o que no fundo se resume na prosaica escolha entre o lume e a frigideira.

Com o regresso de níveis aceitáveis de soberania, isto poderia ser mitigado, ou até
mesmo revertido.

Daí que, constatando à luz da informação que tenho e a actividade saudável de alguns neurónios, serei sempre partidário, pelo menos nesta fase, de qualquer movimento que possa enfraquecer, reformar se for possível, ou acabar de vez com este sinistro projecto Europeu. 

Eu não sou ingénuo ao ponto de acreditar que qualquer atitude nesse sentido,  poderá alguma vez vir a ser implementada por um pequeno país, mas sim de uma desagregação que, por questões de sobrevivência, terá de ser planeada e monitorizada pelo colectivo dos países, designadamente aqueles que mais peso têm na economia, e consequentemente na política.

Em jeito de epílogo, cito aqui Nuno Brederode Santos, tristemente desaparecido há pouco tempo do nosso convívio, e pessoa que eu estimava, e que assim escreveu:

"(...)
Eis o que me cumpre advertir à cabeça. A minha responsabilidade morre aqui.
Para a frente, leitor, está apenas o que a fortuna guardou para seu sentido de aventura. Tenha a sorte que merece. Que eu, por mim, preveni-o de tudo. Das contingências e limites que lhe pus na mão: Os depoimentos avulsos de um cidadão medianamente afónico, sem caixa de ar para gritos mais sonoros. Só capaz do que aqui dá, mas dando aquilo de que é capaz. E de consciência tranquila, mesmo sabendo que, por mais que berre, não consegue produzir senão estas cónicas de Domingo à noite.
São tiros de espingarda de rolha com guita para puxa. Não fazem estrondo. Não vão além de um rumor civil."

Nuno Brederode Santos (1944-2017)

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