quinta-feira, 14 de maio de 2015

SEMENTES DE VIOLÊNCIA (?!)

Texto escrito em Junho de 2007

Lembro-me de um divertidíssimo conto (penso que da autoria de Robert Heinlein), no qual era relatada a chegada à Terra dos Venusianos, já muito anos após a extinção da Raça Humana.

Os arqueólogos Venusianos, entre os vários artefactos que encontraram, deram com uma caixa de lata cujo interior guardava uma película com fotografias sequenciadas, que eles rapidamente deduziram que se fossem projectadas a um determinado ritmo, mostrariam como era a Vida na Terra e de que forma os Terráqueos se comportavam.
Foi então construído um aparelho que permitia a projecção da película encontrada e que deveria esclarecer o mistério da extinção da humanidade.

No dia da projecção, perante uma plateia erudita e impaciente, lá puseram a máquina em movimento e com assombro assistiram a uma pequena, e incompreensível sequência de imagens, nas quais uns personagens pequenos corriam desesperadamente e se agrediam no meio de uma inominável guincharia, batendo com paus, fazendo explodir bombas ou empurrando-se por precipícios.

Quando terminou a projecção, a plateia havia emudecido. Como teria sido possível a uma raça com semelhante comportamento ter tido uma permanência tão longa na Terra. O mistério tornou-se insolúvel, pois apesar da sua ciência e sapiência, os Venusianos nunca conseguiram traduzir ou apreender o significado dos símbolos com que terminava a película e que rezava: “Walt Disney Productions”.

Vem esta reflexão a propósito de tudo o que se tem dito acerca do efeito pernicioso dos videojogos, muito concretamente do “Manhunt 2” que foi proibido na Inglaterra e tem despertado discussão em vários países.

Penso que ninguém achará que advogo a violência, mas a verdade é que não entendo semelhantes alarmismos.

Na minha geração, para além das brigas frenéticas da família Donald (provavelmente o que havia sido visionado pelos Venusianos), lembro-me bem das brutalidades que recaíam sobre o pobre Coyote, levadas a efeito pelo esperto e perseguido Road Runner.A minha geração assistiu com entusiasmo à versão que Hollywood forneceu sobre o genocídio dos índios Norte Americanos, sendo que os heróis sempre foram os mais violentos exterminadores. O advento dos filmes realistas pôs-nos em contacto com personagens como “Hannibal, the Canibal” com direito a nomeação para Oscar’s e tudo.Hoje em dia servem-nos à hora do jantar a violência verídica dos massacres de Bagdad, da faixa de Gaza e do Afeganistão, sem se coibirem de apresentar as chocantes imagens de corpos desmembrados e ensanguentados: É a violência que normalmente nos acompanha o bife, fazendo-nos apenas desviar o olhar, por incomodidade insanável, quando nos apresentam famintos refugiados que se esgadanham por um punhado de farinha.

Todo este arrazoado vem a propósito das recorrentes reacções das sociedades em relação aos videojogos e outros conteúdos, como por exemplo o já clássico “Dragon Ball Z".

Em primeiro lugar, embora possa criticar o mau gosto, acho que as editoras podem publicar o que quiserem sem que ninguém tenha nada a ver com isso. Estas reacções semi-histéricas de sociedades, já de si problemáticas, parecem esquecer-se da obrigação de vigilância que os Pais devem exercer sobre os Filhos, aconselhando-os em relação aos conteúdos dos seus objectos lúdicos, e não remeter essa obrigação para um Estado que se quer democrático e pouco interventivo na nossa vida pessoal.

Por outro lado parece-me que está por provar que haja uma relação directa entre os conteúdos violentos e as acções congéneres, sendo até que alguns psicólogos defendem que este tipo de conteúdos apenas serve para aliviar as tensões de um mundo já de si muito agressivo.

Se na realidade houvesse alguma relação directa entre as coisas, provavelmente eu seria um monstro, já que fui exposto ao panegírico do genocídio dos índios, às maldades do Tom sobre o Jerry, às histerias da família Donald, aos infortúnios do Coyote, à brutalidades do Dirty Harry – magistralmente interpretado por Clint Eastwood – e a outros tantas cenas de violência, tais como os desmembramentos levados a cabo pelo Alien, Etc... Alem disso confesso que não foram poucas as vezes que me entretive a jogar o “Doom”, no qual os Nazis espichavam sangue sempre que baleados ou esfaqueados.

Manifestamente, ao longo dos meus já muitos anos de vida, não foram estes estereótipos que me modificaram. Na realidade, o que gera em mim uma certa dureza e impiedade são as notícias que a televisão me mete em casa nas “Nine o´’Clock News” que tão bem Simon & Garfunkel corporizaram nos anos 60 ao editarem um disco, cantando a clássica natalícia música “Noite Feliz”, tendo como fundo o noticiário real das 21H da CBS, do dia 25 de Dezembro, relatando as baixas e os horrores da guerra no Vietnam e de todas as tragédias que nesse dia grassavam pelo globo.

Em vez de se preocuparem com o que os outros fazem, preocupem-se antes em acompanhar e aconselhar os vossos filhos, pois esta é a única forma de os proteger.

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