segunda-feira, 29 de abril de 2013

A SENSAÇÃO DE PODER.


Em 1957, o visionário escritor Isaac Asimov escreveu um conto que tinha por título “A Sensação de Poder”. Esse conto, em resumo, passa-se numa sociedade futura, dominada pelos computadores, na qual um humilde técnico, pessoa modesta e apagada, percebe que pode manipular os números sem computador de modo a obter os mesmos resultados. Em suma, redescobre a aritmética, há muito tempo esquecida nessa Sociedade futura!
Nos meios militares, a constatação de que alguém conseguia “computar” sem computador, abriu um sem número de possibilidades militares e perante a aterradora ideia de que a sua “(re)descoberta” iria servir para incrementar a guerra, Myron Aub – assim se chamava o homem, suicida-se.
Durante as exéquias funebres, o Programador Shuman, responsável pelo projecto, tem este singular pensamento: ”Nove vezes sete, pensou Shuman com orgulho, sessenta e três. Não precisava mais que um computador lhe dissesse isso. Sua própria cabeça era um computador. E isso lhe dava uma fantástica sensação de poder.”
E assim termina o conto, um verdadeiro caso de antecipação da realidade, sobre o qual o próprio Asimov escreve o seguinte:

No meu conto “A Sensação de Poder”, publicado em 1957, lancei  mão de computadores de bolso, cerca de dez anos antes de tais  computadores se tornarem realidade. Cheguei mesmo a considerar a possibilidade de eles contribuírem para  que as pessoas acabassem perdendo a capacidade  de fazer operações aritméticas à maneira antiga.”

A verdade é que cada vez mais nos fomos habituando a que os resultados apresentados pelas calculadoras e pelos computadores são infalíveis, e como tal, jamais os questionamos.
Esquecemo-nos a maior parte das vezes que qualquer programa processado numa folha de cálculo mais ou menos complexa, não passa de um algoritmo, cujo resultado sempre dependerá da correcção da formulação das operações a executar e da correcção com que são introduzidas as variáveis afectas àquilo que se pretende apurar.
Ao não questionar a construção do algoritmo, ficamos à mercê das potenciais imprecisões contidas nos resultados obtidos e logo, das suas consequências.
Se em muitos casos esta situação não traz males de maior, casos há que se podem tornar dramáticas, tal como alterar a órbita de um satélite, esborrachar um avião contra uma montanha, e até iniciar uma guerra inadvertidamente.
Já foi profundamente escandaloso que o FMI viesse confessar o êrro no cálculo do multiplicador utilizado na medição dos efeitos recessivos da austeridade. Não era afinal de 50 cêntimos por Euro poupado, como defendiam e em que baseavam os cálculos, mas qualquer coisa que anda entre os 90 cêntimos e 1,7 Euros!
Claro que depois ficaram muito surpreendidos com os números do desemprego e a dificuldade de equilibrar as contas públicas nos países sujeitos a fortes programas de austeridade.
O caso mais recente, e aparentemente escandaloso, foi a teoria  de Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff, o qual se tornou a bíblia sagrada para gente como Vitor Gaspar, Wolfgang Schäuble, Geroge Osborne (Ministro das Finanças do Reino Unido), Oli Rehn e mais uma série de personagens com responsabilidade directa nas políticas de austeridade que estão a ser aplicadas a eito na União Europeia. Este estudo, que concluía que países com uma dívida pública acima dos 90% do PIB nunca conseguiriam crescer, foi agora contestado em vários aspectos:
Em primeiro lugar, este estudo exclui logo à partida países que se afastam do resultado que os autores pretendem demonstrar, com as consequências estatísticas previsíveis. Em segundo lugar, na calibragem destes dados, os coeficientes são iguais para todos os países, o que corresponde em linguagem popular a “misturar alhos com bogalhos”. Finalmente, um erro de código na folha de cálculo (vulgo Excel) utilizada para seleccionar dados, altera em definitivo os resultados finais do estudo.
Despeitados, estes eminentes economistas vêm assumir o erro, mas defendem que as conclusões continuam a estar certas (?).
Todas as revistas científicas e publicações especializadas publicaram o estudo, dando-lhe uma falsa credibilidade, a qual só foi abalada pelo trabalho de académicos da Universidade de Massachusetts, os quais Rogoff se apressou a acusar de querem politizar a questão (!).
É de gritos! Então um estudo que, no mínimo influenciou negativamente toda a economia Europeia não é uma questão emininentemente política?
E é aqui que entronca o simbolismo do conto de Asimov.
Esquecemo-nos de fazer contas. São demasiado complexas e trabalhosas, além de levam muito tempo a fazer, e como se sabe “time is money”... Tomamos como garantido qualquer resultado vomitado por um computador, sem sequer o questionar, eliminando assim a possibilidade de encontrar uma falha electrónica ou humana. Engolimos tudo o que nos dizem, e concretamente sobre a Ciência Económica, ficamos de gatas perante os intitulados “gurus” da economia esquecendo que há uma variável em toda esta situação que jamais poderão sistematizar: O comportamento humano em toda a sua diversidade, racionalidade e irracionalidade, frieza e emotividade e em todas as outras vertentes em que o nosso comportamento é diferente do comportamento de um “chip” de silício.
Enfim, precisamos de voltar a saber quanto são nove vezes sete sem auxilio de calculadora ou computador. Talvez assim recuperemos a verdadeira Sensação de Poder!

** Em desejando ler o conto referido, clique AQUI.

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