quarta-feira, 26 de setembro de 2012

O MITO ISLANDÊS.


Nestes tempos conturbados, nos quais a Europa ainda não se capacitou do seu declínio, e na sequência daquilo a que se chamou de Crise das Dívidas Soberanas, criou-se entre nós o mito de que a Islandia tinha conseguido uma mágica fórmula para se futar às agruras que nos atormentam, em termos de juros e de endividamento excessivo.
A Islandia foi o primeiro País a declarar a sua falencia após a estrepitosa queda do Lehman Brothers, apesar de na véspera, as tão decantadas agencias de rating lhe atribuírem uma classificação de AAA.
A Islandia é um pequeno País: 320.000 habitantes  (práticamente o mesmo numero da nossa cidade do Porto) e uma superficie de 103.000 Km2, o que a põe ao nível de uma provincia média Portuguesa.
Apesar da vantagem de ser energéticamente auto-suficiente a partir das suas inúmeras fontes geo-termais, até 2004 toda a economia deste País insular se baseava na pesca do bacalhau. Encantada pelos cantos de sereia do capitalismo financeiro, a Islandia saltou de sopetão para o sector terciário, passando a ser uma nação que oferecia sofisticados produtos financeiros, com altas taxas de remunerações ao investimento, o que atraíu cerca de meio milhão de investidores estrangeiros, principalmente Ingleses e Holandeses. De notar que estes investidores externos superavam em numero os habitantes do País.
Com a súbita quebra de confiança do mercado inter-bancário, os principais três bancos comerciais Islandeses deixaram de ter liquidez para honrar os seus compromissos. A sua dívida combinada representava cerca de seis vezes o PIB Islandês e não havia forma de a pagar.
Feita esta história, e resumindo, o que se passou foi o seguinte: O Governo Islandês em funções tentou proceder ao resgate dos bancos passando o ónus aos contribuintes, coisa que o Presidente da República não permitiu. Assim, a solução dos problemas foi encontrada da seguinte forma: Congelamento dos depósitos e dos movimentos de capitais. Uma moratória ao pagamento a clientes estrangeiros, na qual pagará a sua dívida entre 2017 e 2023, sempre na proporção do seu crescimento económico. A moeda foi desvalorizada em 80% (!!!) e o PIB sofreu uma recessão próxima dos 6% no primeiro semestre de 2010. De modo a fazer face a um empréstimo de emergência ao FMI, as taxas de juros foram elevadas para 18%(!!!).
Claro que, depois de um “tombo” destes, o País só poderia iniciar uma retoma económica!
De facto, não pagando as dívidas e desvalorizando de tal forma a moeda, não há milagre nenhum neste crescimento.
O que se passou de seguida (e que tanto parece agradar aos Portugueses), foi que um grupo de cidadãos constituiu uma comissão que lançou as bases de uma nova Constituição que sertá sujeita a um referendo.
Contrariando todo o ruído que para aí anda, o Primeiro Ministro foi a julgamento e foi... Absolvido!
Espantam-me pois estas referências permanentes ao “milagre” Islandês!
Em primeiro lugar, se os Portugueses de um dia para o outro perdessem 80% do poder de compra, não haveriam manifestações, mas sim chacinas. Depois, segundo as regras básicas da UE jamais poderíamos fazer uma moratória ao nosso endividamento, nos moldes em que a Islandia o fez, além de que a livre circulação de capitais impediria qualquer congelamento de contas de estrangeiros. Por último, as propostas Constitucionais não podem ser apresentadas pela Sociedade Civil, apenas por estruturas partidárias e a própria Constituição inviabiliza o seu próprio referendamento.
Eu sei que é uma tentação pensar que poderíamos fazer o mesmo, mas não podemos!
Custa-me ver como é fácil embarcar nestas histórias de embalar e propagá-las na Internet sem nenhuma cautela ou decôro.
Estamos numa situação extrema, a qual não me parece resolúvel através das soluções que são preconizadas pelo nosso Governo e pelas Instituições Internacionais, mas não sejamos ingénuos e tentemos resistir áquilo que se costuma chamar de “Wishfull thinking”. Não vale a pena bater com a cabeça nas paredes, pois os movimentos cívicos que se têm levantado por essa Europa fora, decerto serão muito mais eficazes.
Aliás, como diz o Povo, o que não tem remédio, remediado está!

terça-feira, 25 de setembro de 2012

MAIS RECORDAÇÕES DO MEU PAI – A PISCINA.


Um dia o meu Pai levantou-se mais cedo, e de fita métrica em punho desatou a tirar medidas a uma parte lateral do nosso jardim que já quase confinava com as dunas da praia.
Mediu, tornou a medir, fez umas marcações no chão e virando-se para nós que o observávamos com expectativa, anunciou com a pompa que lhe era peculiar: "Vou construir uma piscina!"
A obra lá começou. Para além do facto de não existirem as máquinas de hoje em dia, o acesso aquele canto do jardim era complicadíssimo, já que para um dos lados tinha umas escadas, e para o outro uma estreitíssima cancela que dava passagem para as dunas, isto tudo entalado entre a parede da casa e o muro do jardim. Os homens afadigavam-se com pás, enxadas e carrinhos de mão, cavando naquela areia que insistia em escorrer para dentro da cova já aberta. Sobre a supervisão autoritária do meu Pai, a cova lá foi crescendo, de tal maneira que já tinha quase o dobro do tamanho da planeada piscina. Depois,  lá se conseguiu montar uma cofragem e começou-se a construir aquele grande tanque com cimento ao qual tinha sido adicionado um pigmento amarelo-mostarda (?), de modo a que a piscina tivesse a cor por ele idealizada.
Finalmente um dia ficou pronta: Um tanque de cimento amarelo-mostarda, com quatro metros por dois, uma profundidade de um metro e meio e umas escadinhas a um dos topos.
Canalização não existia! Também, para quê? "Skimers", filtros, motores eléctricos, etc... Eram coisas que, além de estarem pouco divulgadas na época, foram olimpicamente ignoradas, já que o seu custo inviabilizaria a nossa piscina.
Demorou cerca de dois dias a ser enchida com uma mangueira e finalmente ficou pronta para uso.
Foi uma festa! Todos demos mergulhos, chapinhámos e brincámos enquanto o meu Pai anunciava enfáticamente que o almoço iria ser servido na piscina.
Passados três ou quatro dias a água começou a adquirir um suspeitíssimo tom esverdeado, tornando-se pouco convidativa. "São só micro algas. Não tem perigo nenhum!" Opinava o meu Pai, que na altura já era o único a mergulhar naquelas águas sombrias. Mais algum tempo passou, e a água, de esverdeada passou a negra. Pouco tempo depois já se divisavam naquelas águas paradas, as primeiras larvas de mosquito.
"Tem de se mudar a água." Dizia ele, puxando pela cabeça, pois sabia perfeitamente que não tinha sido instalado nenhum ralo no fundo.
Um dia chegou a conta da água e olhos quase lhe saltaram das órbitas quando se apercebeu quanto iria pagar por ter enchido a piscina uma só vez.
A partir desse momento, a piscina morreu!
Mais ninguém pensou nela até ao dia em que a água começou a cheirar realmente mal e os mosquitos tornaram as noites insuportáveis. Lá se chamaram os bombeiros que com uma bomba motorizada esvaziaram de vez a nossa mal sucedida piscina.
Parecia o fim da história, mas com a chegada do inverno, as águas das chuvas acumulavam-se-lhe no fundo e o ciclo de incómodos recomeçava. Então lá vieram os homens outra vez, não para arranjar a piscina, mas sim para a encher de areia até à borda.
Durante algum tempo a única coisa que dela se divisava, era a borda amarelo-mostarda, ligeiramente boleada que assomava da areia. Depois, com as nortadas violentas de Março, até isso as areias das dunas acabaram por cobrir.
Há muito que não passo sequer perto dessa casa e nem sei se ela ainda existe, mas em caso afirmativo, pergunto-me com alguma curiosidade se os actuais residentes suspeitarão que têm uma piscina sepultada no jardim.
E era assim o meu Pai... 

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

ACERCA DE COMO CAÇAR JACARÉS.


Teria eu cinco ou seis anos quando fui confrontado com o meu primeiro enigma.
Era um inverno rigoroso e após o jantar a família tinha-se reunido em volta da lareira. Na altura, na ausência de TV ou outro tipo de distracção , a conversa era previlegiada e cultivada. Após uns momentos fitando as chamas que lambiam as paredes enegrecidas da lareira, o meu Pai inquiriu-me: "Sabe qual é a melhor maneira de caçar jacarés?" Fiquei embasbacado com a pergunta, e considerando que a resposta teria de ser mais sofisticada do que a simples solução de dar um tiro no animal, ou meter-lhe um pau na boca, como vira recentemente nas aventuras de "Tintin au Congo" - ainda não havia livros traduzidos - confessei a minha ignorância sobre o assunto.
Com um sorriso até às orelhas o meu Pai explicou-me então a sua visão de como era mais fácil apanhar um jacaré. Em primeiro lugar teríamos de nos munir de alguns objectos, a saber, um livro realmente chato, um binóculo, uma pinça e uma caixa de fósforos.
o caçador deveria então deslocar-se para a margem de um rio onde houvesse jacarés, e depois de dispor os utensílios à sua volta, pegava no livro realmente chato e começava a lê-lo. Como o livro era de facto chatíssimo, acabaria então por adormecer. Entretanto o jacaré saía do rio na sua direcção, e ao abrir as terríveis fauces soltava um rugido.
Acordando em sobressalto, ainda estremunhado, o caçador pegava nos binóculos para ver o que se passava, mas como estava ainda desorientado pelo despertar súbito e inesperado, pegava neles ao contrário e então via um animal pouco maior que uma lagartixa. Pegava então na pinça e cuidadosamente colocava o jacaré na caixa de fósforos.
Confesso que a história me fascinou por duas razões: Pela sua criatividade por um lado e pela sua inverosimilhança pelo outro.
Durante anos este pequeno "fait divers" da minha infância andou escondido pelas recônditas volutas do meu córtex cerebral, até que há algum tempo o recordei, com uma certa nostalgia por esses tempos de inocência.
Olhando à minha volta com atenção, parece-me descortinar uma legião de pessoas que parecem ter um par de invísiveis binóculos colocados ao contrário, sem ao menos se darem conta disso.
Para essa gente, a realidade é tão virtual como a diminuição da imagem transmitida por binóculos invertidos. Tudo lhes parece ao alcance da mão e tudo lhes parece realmente tão pequeno, quantitativamente, que parece ser fácil de colocar numa caixa de fósforos.
No fundo é uma sociedade que perdeu todo o sentido de perspectiva, que não valoriza o que tem e inveja aquilo que não tem.
Presas da sua tremenda ambição, vítimas dos seus êrros de prespectiva, esta gente deambula pelo mundo previlegiando o "ter" em vez do "ser". Esquece regularmente as suas obrigações para com o próximo, mesmo quando o próximo é realmente "próximo" como sejam pais, filhos, etc...
Estes pobres caçadores de jacarés, para sua infelicidade, não se apercebem de que mais tarde ou mais cedo vão ter de abrir a caixa de fósforos sem se lembrarem de colocar os  binóculos invertidos, e nessa altura, na sua dimensão real, o jacaré decerto não lhes  irá perdoar.

RECORDAÇÕES DO MEU PAI.


Teria eu aí uns oito anos quando recebi de presente de Natal a minha primeira espingarda de pressão de ar.
Era um modelo rudimentar, com pouca força, mas que representava um pequeno sonho realizado, já que uma das coisas que eu mais ambicionava na época era "ir aos pardais" como os meus amigos mais velhos.
O desenvolvimento das circunstâncias que rodearam a compra e oferta daquela caricatura de arma, só os vim a conhecer um pouco mais tarde, mas revestem-se de todo o exotismo e originalidade que sempre caracterizaram de forma indelével todas as acções que envolviam o meu Pai.
Já farto da minha pedinchisse, e como se aproximasse o Natal, decidiu comprar-me a almejada espingarda de pressão de ar. A minha Mãe, quando viu o artefacto chegar a casa, amiga dos animais como só ela conseguia ser, argumentou que não concordava nada com a oferta, já que achava uma selvajaria andar pelas ruas a abater inocentes pardais, que nem para comer serviam. Por seu lado, o meu Pai não discordou em absoluto do argumento e informou que ia tomar as suas providências.
Comprou uma grande e espessa placa de cortiça e uns dardos próprios para a espingarda, com a ideia de que eu iria praticar tiro ao alvo. Depois, olhou para a cortiça e achou que mesmo que lhe desenhasse um alvo, o artefacto era muito pouco atractivo e por consequência decidiu fazer as coisas à maneira dele, ou seja, da forma menos convencional que se possa imaginar.
Tinha adquirido há poucos meses uma caríssima enciclopédia da editora Grolier, magnificamente ilustrada com fotografias e desenhos impressos sobre um espesso e brilhante papel couché. Assim, agarrou numa tesoura, foi-se às nove ou dez páginas relativas aos Dinossauros, destacou-as do volume e entreteve-se durante horas a recortar com notável perícia os animais, um por um. Após esta morosa operação, colou-os todos na placa de cortiça, de forma mais ou menos aleatória e atribui-lhes pontuação, conforme a sua ideia do que poderia valer um troféu daquele calibre. Lembro-me como se fosse hoje que o Tyranosauro Rex valia 100 pontos e era o mais valioso de todos.
Pode-se bem imaginar o meu ar esbugalhado ao receber tão espectacular presente de Natal. Durante três ou quatro dias, encostava o alvo na parede da sala, e diligentemente tentava acertar no T-Rex. À volta do alvo, o reboco da parede foi sofrendo algumas consequências, e para desespero da minha Mãe, cada vez que um dardo falhava a cortiça lá saltava um pouco de estuque da sala de jantar.
Claro que ao quinto dia, com alguns escudos que recebera também pelo Natal, dirigi-me à Drogaria do Sr. Pedro e comprei uma caixa de chumbinhos "Diabolo" e fui com os meus amigos dedicar-me ao massacre dos desgraçados pardalitos, que em boa verdade, dado o modêlo rudimentar da espingarda, pouquíssimos foram atingidos.
Quando o meu Pai morreu a enciclopédia Grolier veio-me parar às mãos, e apesar de irremediávelmente mutilada, não pude conter umas lágrimas quando a folheei e encontrei o local onde antes tinham existido as lindíssimas páginas sobre os Dinossauros que haviam decorado o meu fantástico alvo. E era assim o meu Pai... 

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

A (PEN)ÚLTIMA VERDADE.


Reli há tempos, com o maior dos prazeres, um livro de Philip K. Dick chamado "A penúltima verdade" (Penultimate Truth, no original).
A acção passa-se no futuro (à época, pois agora já seria passado!) e aborda o podêr, e porque não dizê-lo, a verdadeira ditadura dos "media".
Nesse futuro alternativo, em plena guerra fria, perante uma real ameaça de guerra, a população mundial "enterra-se" em abrigos-fábrica e dedica-se denodadamente à produção industrial destinada ao esforço de guerra.

Nas entranhas dos abrigos, o único meio de saberem o que se passa à superfície é a emissão televisiva oficial que lhes chega por cabo diáriamente.
Cá em cima, após os primeiros tiros e sem a pressão social e política das populações, os militares de ambos os blocos apercebem-se da inutilidade de enveredar pela guerra e criam então uma enorme fraude, na qual emitem diáriamente para os abrigos imagens forjadas de bombardeamentos e batalhas, pedindo um aumento permanente da produção com o único fito de que a população não volte à superfície voltando a criar as inevitáveis pressões político-sociais para que uma verdadeira guerra viesse a eclodir.
É um livro interessantíssimo pois aborda um problema com o qual já hoje em dia nos defrontamos e que é a manipulação da verdade pelos "media", muito particularmente pelas televisões, e que começa já a grassar na Internet.
Há já uns anos largos, assistia eu a um documentário sobre a guerra russo-afegã, quando me apercebi que um velho refugiado, esfarrapado e com uma criança ao colo, se exprimia perante o repórter com um inconfundível "accent" Nova-Iorquino. Para mim foi o prenúncio da penúltima verdade e passei a dar a maior das atenções ao que me entra pela casa dentro. No fundo, a minha grande preocupação assenta no facto de ter a sensação de que a maioria das pessoas não se apercebe da tremenda manipulação de que é vítima, mesmo tendo a consciência do que é possível fazer com a propaganda.
Apesar de terem já passado tantos anos, não me passa pela cabeça que a humanidade, pelo menos a que se considera esclarecida, se tenha esquecido das doutrinas de propaganda advogadas por Goebbels e ao caos a que levaram.
Existe um provérbio Judeu que diz que "Uma meia-verdade, é sempre uma completa mentira" o que em muito facilita toda a tarefa de manipulação, e para isso basta pegar em dois ou três jornais e reparar na disparidade das manchetes em relação a um mesmo acontecimento. Isto é manipulação, e manipulação descarada!
Citando o falecido Daniel Boorstin (historiador e professor Norte-Americano que se debruçou sobre a influência dos meios de comunicação nos comportamentos sociais), não posso deixar de concordar que "o maior obstáculo à sabedoria não é a ignorância, mas sim a ilusão do conhecimento".

terça-feira, 18 de setembro de 2012

FALAR PATRIÓTICAMENTE MAL A LINGUA PORTUGUESA.

Enquanto Pessoa afirmava que “a minha Pátria é a Lingua Portuguesa”, Eça aconselhava a que se devia “falar patrióticamente mal as linguas estrangeiras”.
Em ambos os casos, estes “monstros sagrados” da nossa literatura denotavam a sua preocupação com o principal factor da nossa identidade cultural e histórica, marca indelével do nosso deambular oceânico, que disseminou a lingua pelas sete partidas do mundo.
É claro que uma lingua viva não é estática. A sua grafia evolui, as gírias e calões oriundos das várias sociedades de falantes, são adoptados mutúamente e assim se compreende que não escrevamos ou falemos hoje como se escrevia ou falava na idade média. No entanto estou em crer que essa evolução se foi fazendo de forma lenta e gradual, co-existindo as mais das vezes o mesmo vocábulo com grafias diferentes durante largos períodos de tempo, sem que daí viesse mal ao mundo. Ainda me lembro bem da minha Avó escrever “pharmácia”, e a senhora poderia ser tudo, menos iletrada!
Bem sei que as modernas necessidades de escolaridade obrigam a padrões uniformizados que permitam alguma coerência no ensino, mas isto não invalidaria a possibilidade de utilização de grafias, que embora diferentes, estivessem ambas correctas. O tempo, esse magnífico mestre, se encarregaria de seleccionar a que mais se adequasse, desaparecendo a outra ou outras, que por inanição e falta de uso, sem sobresaltos ou polémicas, seriam erradicadas com naturalidade da nossa lingua.
Na realidade não entendo a necessidade de um acordo ortográfico, principalmente quando este não é aceite pela unanimidade dos seus falantes. Que raio de acordo é este, que em oito países de Lingua Oficial Portuguesa, apenas é ratificado por três?
Os Espanhois, que tanto gostamos de citar, não têm nenhum acordo ortográfico e isso em nada diminuiu a importancia da Lingua Castelhana no contexto mundial, sendo que o Castelhano falado na América Central e América Latina, tem inúmeras variantes, consoante o País em que é falado.
Na realidade podemos especular se este acordo não visa apenas promover os interesses editoriais e culturais do Brasil, sem levar em conta o interesse dos outros países que compõe a CPLP.
Entre os vários argumentos que ouvi em defesa do Acordo, houve um que me pareceu realmente caricato, isto para não usar um termo mais forte. Afirma-se que o Acordo se destina a aproximar a escrita da oralidade, deixando caír as consoantes mudas e alterando variadíssimas regras de acentuação e até de pontuação. Ora isto jamais evitará que os Portugueses continuem a dizer “cómico” e os Brasileiros “cômico”, não sendo nenhum “comico” que resolverá esta diferença. Por outro lado, se este critério fosse realmente decisivo, teríamos de arranjar grafias alternativas dentro do nosso próprio País para diferenciar o nosso vernáculo “v” do “b” nortenho de acentuada influência Galêga, ou o “não” do “nã” Alentejano.
Pois é! Se este fosse realmente um critério, mais tarde ou mais cedo estaríamos a escrever “deiam” em vez de “dêm”, ou “hádem” em vez de “hão-de”, como o fez Jorge Coelho certa vez, que em pleno comicio do Partido Socialista, perante as televisões e rádios nacionais, gritava a plenos pulmões :”Eles hadem de ver!”
Não sou político, não sou filólogo ou linguísta, tambem não sou académico, por isso as minhas atitudes terão sempre pouco peso, mas uma coisa garanto, é que após a aprovação do Acordo Ortográfico, passarei a escrever - e talvez a falar - patrióticamente mal a lingua Portuguesa!

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

EÇA: ADIVINHO OU SÓ BOM OBSERVADOR?


Sou um admirador incondicional, quase furioso, de Eça de Queiroz.
Ainda hoje, tantas décadas passadas sobre as minhas primeiras leituras, rio com gosto da crítica mordaz e viperina que ele faz da sociedade portuguesa, pois na realidade, tudo aquilo que ele escreveu continua a servir como uma luva ao nosso país e à sociedade que o povoa.
Há tempos circulou na "net" uma caricatura do escritor a ilustrar uma das suas frases mais divertidas: "O governo não cai porque não é um edifício, sai com benzina porque é uma nódoa!"
Et voilá! (como diria Eça no seu geito meio afrancesado) Nada mais adequado à presente situação política do nosso país.
Numa linha mais séria, mais preocupada mesmo, Eça produziu esta preciosidade de análise política e social no primeiro número de "As Farpas", há mais de 130 anos:

«O país perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos, as consciências em debandada, os caracteres corrompidos. A prática da vida tem por única direcção a conveniência. Não há princípio que não seja desmentido. Não há instituição que não seja escarnecida.
Ninguém se respeita. Não há nenhuma solidariedade entre os cidadãos. Ninguém crê na honestidade dos homens públicos. Alguns agiotas felizes exploram. A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia. O povo está na miséria. Os serviços públicos são abandonados a uma rotina dormente. (...)
O Estado é considerado na sua acção fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo. (...) A certeza deste rebaixamento invadiu todas as consciências. Diz-se por toda a parte: o país está perdido!»
Eça de Queiroz, 1871

Será que o escritor tinha dons premonitórios que lhe permitiriam fazer uma quase adivinhação do que passaria neste Portugal do Sec. XXI?
Infelizmente não me parece que assim seja. De uma forma muito objectiva sou obrigado a reconhecer que, para além do génio e do humor de Eça de Queiroz, se esconde uma trágica e dramática realidade: Portugal não evoluíu nada, mas mesmo nada, nos ultimos cento e trinta anos.
Cristalizado no tempo, o País arrasta-se penosamente na direcção de uma miragem chamada Europa que como todas as miragens parece afastar-se cada vez mais, à medida que se tenta caminhar na sua direcção.
As gentes, gemebundas e pessimistas, vituperam os governos como se a culpa de eles lá estarem não fosse sua. Queixam-se da sua pobre condição de Portugueses como se essa condição não fosse o fruto colhido da sua inépcia e preguiça. Em última análise queixam-se de si próprios, arranjando mil desculpas e nenhuma responsabilidade.
Será que esta "sopa" europeia que, sinistra e meticulosamente, se prepara nos misteriosos corredores de Bruxelas não funcionará como a benzina e apagará de vez esta nódoa encardida em que se tornou a sociedade portuguesa?
Apenas uma questão de fé me impede de acreditar em semelhante desfecho, e o mesmo se passou com Eça, que criticando ferozmente a sociedade portuguesa sua contemporânea, acabava sempre por defendê-la e descupá-la, por vezes até carinhosamente.
"Devemos sempre falar patrióticamente mal as línguas estrangeiras", afirmava ele na finura da sua ironia.
Entretanto por cá continuamos cristalizados, parados no tempo, à espera que um factor externo à nossa vontade, que qualquer "D. Sebastião" ou, quem sabe, que um milagre divino nos ajude finalmente encetar um caminho de progresso.
No fundo, como cantava a fadista: "Tudo isto é triste... Tudo isto é Fado!"