terça-feira, 19 de junho de 2012

PÉROLAS E AUSTERIDADE.

Guy de Maupassant, escritor Francês do fim do Sec. XIX, escreveu um conto trágico que gira em volta de um colar de pérolas.
Uma rapariga da sociedade Parisiense, bem nascida mas de poucas posses, é convidada para uma importante festa, à qual muito almejava ir. Falando com uma amiga, essa rica e despreocupada, confidenciou-lhe que não tinha nenhuma joia digna de ser levada a tão importante evento social. Desejosa de ajudar, a outra prestou-se de imediato a emprestar-lhe um belo colar de pérolas que possuía.
A dita festa foi um sucesso, e a nossa jovem brilhou, namoriscou, bebericou champagne e divertiu-se.
Quando altas horas da noite chegou a casa, reparou que tinha perdido o colar de pérolas. Em desespero percorreu o caminho de volta, vasculhou os salões, mas do colar, nem sombra dele.
Apavorada e envergonhada, logo pela manhã procurou um ourives famoso e encomendou-lhe um colar igual, o qual entregou à amiga como se fosse o mesmo que ela lhe tinha emprestado. Dado que a peça era caríssima, valeu-se de um agiota e com ele contraiu um empréstimo a longo prazo para assim poder pagar ao ourives.
Durante anos mourejou de sol a sol, aceitando os mais humilhantes e precários empregos, pagando religiosamente as prestações combinadas, e ao longo do tempo foi empobrecendo, perdeu as oportunidades de um casamento, esqueceu o lado interessante da vida, mudou-se para um modesto pardieiro e foi paulatinamente envelhecendo.
Quando finalmente pagou a última prestação do empréstimo ao agiota, rondava já os cinquenta anos, e perdida a frescura e a beleza de outros tempos, tornara-se uma mulher pálida e desinteressante.
Um dia encontrou a sua antiga amiga numa casa de chá, e como já pagara a totalidade do colar, confessou-lhe que o havia perdido naquela fatídica noite, que encomendara um  novo e que durante todos esses anos tinha pago uma prestação com juros usurários para conseguir liquidar a dívida, mas que assim salvara a sua honra, a sua honestidade e a sua integridade.
Abismada com a confissão, a amiga permaneceu em silêncio por uns momentos e finalmente, muito a custo balbuciou: "Mas... as pérolas eram falsas, as verdadeiras ainda as guardo num cofre..."
Pode-se bem calcular a frustração e sentido de inutilidade que deve ter invadido o espírito da jovem, agora já senhora, ao perceber que desperdiçara toda uma sua vida à conta de um colar de pérolas falsas.
Esta história serve que nem uma luva como metáfora acerca dos programas de austeridade que a chamada "troika" tem andado a distribuir a torto e a direito por essa Europa fora.
Dizem-nos que estamos no bom caminho, que estes sacrifícios são necessários para construir um futuro melhor e fazer crescer a economia, mas serão realmente?
Cada vez que um economista se pronuncia sobre o assunto, um laureado Nobel assina um artigo no Financial Times ou que algum responsável político opina sobre a austeridade, acaba-se sempre com a sensação de que cada um diz a sua coisa e nenhum garante nada, não passando este exercício opinativo de uma mera esperança de que as coisas resultem de acordo com as suas frágeis suposições.
E se estes sacrifícios todos forem uma espécie de "pérolas falsas"? E se se chegar à conclusão de que este não é o caminho acertado?
Nessas circunstâncias, os danos já estarão causados, alguns irreversíveis decerto, os empregos perdidos e as famílias exauridas, os jovens emigrados, e assim como a rapariga do conto, a nossa sociedade vai empobrecendo, envelhecendo e vendo-lhe passar em frente do nariz todas as oportunidades, agora fora do alcance e que jamais voltarão a ocorrer.
E assim, às mão dos políticos inconscientes que avançaram de olhos fechados para este processo no passado, e às mãos dos actuais que não conseguem desatar o nó górdio que foi criado, a Europa vai sossobrando, lenta mas inexorávelmente, em direcção a um abismo de quem ninguém conhece as suas reais  dimensões.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

QUAL É A COISA, QUAL É ELA, QUE ANTES DE O SER JÁ O ERA?

É claro que é a pescada, e ao que parece, também o resgate à banca Espanhola, que Mariano Rajoy se esforça por não chamar de “resgate”, mas sim de financiamento.
Esta subtileza semântica não tem qualquer tipo de utilidade, a não ser uma patética tentativa de enganar o povo Espanhol. De facto, os 100.000M de Euros do resgate, embora se destinem à banca, serão subscritos pelo governo Espanhol, agravando assim a sua dívida externa, pelo que se as coisas não correrem bem, quem vai pagar é fatalmente o contribuinte.
Achar que este resgate, ou lá o que Rajoy lhe queira chamar, vai resolver os problemas de Espanha, é puro lirismo.  As Autonomias, exauridas financeiramente, já reclamam o apoio do Estado Central, que nas actuais circunstâncias, não está em condições de prestar, e por isso, previsívelmente a Espanha terá de vir a pedir mais dinheiro.
Claro que este dinheiro irá ser rápidamente disponibilizado, ou não estivesse em causa a 4ª economia do Euro, mas se Rajoy pensa que vai escapar a um apertado plano de austeridade, penso que estará muito enganado, embora a situação seja de tal maneira grave, que não será de excluír uma possível inflexão das posições Europeias, o que eventualmente poderá beneficiar Portugal. Como em toda a excepção que confirma a regra, parece que desta vez, de  Espanha poderão vir bons ventos, embora impulsionados pelas piores razões.
No meio deste torvelinho financeiro que começa a formar-se em Espanha, os mercados vão paulatinamente aumentando as taxas de juro para valores especulativos e incomportáveis para o refinanciamento da dídiva Espanhola. Esfumou-se a arrogância de Rajoy que pretendeu impôr à UE a alteração das metas do déficit (levou uma redução de 0,1% para não dizer que não levava nada). Nestes últimos dias, o Chefe do Governo Espanhol só deu a cara no jogo de futebol contra a Itália, na Ucrânia, tentando passar uma falsa imagem de descontracção e optimismo. Quanto ao resto, lá vai encarregando os ministros de dar as más notícias e assim ficarem com o odioso que sempre recai sobre o mensageiro das desgraças.
É impossivel negar a sensação de “dejá vu”, ao ver Rajoy, sorridente, anunciar que a Espanha tinha conseguido um apoio para a sua banca em condições de excepção, etc... etc... Lembramo-nos todos de  um José Sócrates com um ar de felicidade, ao lado de um surumbático Teixeira dos Santos, anunciar em 2011 aos Portugueses que tinha negociado e assinado um excelente acordo com a Troika.
Viu-se!
Agora o que é realmente factor de perplexidade, é a constatação de que esta gente não aprende com os erros e estupidez dos seus pares. Isto é particularmente alarmante pois não se vislumbra a vontade de uma mudança radical na Europa que ponha, de uma vez por todas, esta “tralha” financeira nos eixos.
E assim, o incêndio do Euro vai lavrando livremente, ateado pela voragem dos especuladores, no meio de indecisões e más decisões, aproximando-se inexorávelmente do centro, deixando as periferias transformadas em terra queimada, na qual difícilmente medrará a semente do investimento.
Deste modo, repetindo a questão inicial, pergunto: Qual é a coisa, qual é ela, que antes de o sêr já o era? Para além da pescada, é a asfixia lenta e dolorosa do Euro e o esboroamento e desagregação de uma Europa que jamais deveria ter sido criada da forma atabalhoada e anti-democrática com que foi imposta aos seus cidadãos.

terça-feira, 5 de junho de 2012

A FÁBULA DA RÃ E DO BOI.


Reza a antiga fábula de Esopo, que uma rã, ao ver um boi a beber água, ficou tão tomada de inveja, que logo ali decidiu que queria ter o tamanho dele. Começou então a engolir ar, inchou, inchou e esticou-se tanto, que acabou por rebentar.
Esta fábula, com uma moral inoxidável, veio-me ao pensamento após ter lido hoje no jornal que uma tese  perfilhada pelo inefável Garcia Pereira – eterno candidato do PCTP/MRPP – conseguiu que a Comissão Nacional de Eleições lhe desse razão numa queixa que ele apresentara sobre a descriminação dos pequenos partidos, por parte dos principais orgãos de comunicação social, durante a campanha eleitoral das últimas Legislativas. A pressourosa CNE, não só aceitou as razões de Garcia Pereira, como enviou a queixa para a Procuradoria Geral da República.
Ora isto tudo nos custa um dinheirão! Não só a manutenção destes pequenos partidos, que recebem subvenções, têm sedes à borla e são subsidiados nas campanhas eleitorais, como agora o desvio de recursos da PGR para uma queixa, que suspeito seja rápidamente arquivada, pese o “carnaval” que Garcia Pereira provávelmente montará.
Existem em Portugal neste momento 14 patidos políticos ou coligações reconhecidas pelo Tribunal Constitucional. A Lei dos Partidos Políticos, para além daquele relambório habitual, foca-se básicamente em dois pontos: Para requerer o reconhecimento de um partido, são necessárias 7.500 assinaturas, coisa que não parece complicada, não cuidando da consistência dessas assinaturas. Para a sua extinção, além da vontade própria ou por defenderem princípios incompatíveis com o Estado de Direito, esta acontece se o numero de filiados se tornar inferior a 5.000, devendo o TC verificar regularmente esta situação, coisa que sinceramente duvido que o faça.
Não haja confusões! Não se trata de votos expressos em eleições, trata-se sim de uma verificação séria de militantes activos e suponho eu, com as quotas em dia.
Não acredito, por exemplo, que o Partido dos Amigos dos Animais, o Partido da Terra ou mesmo o PCTP/MRPP (que no fundo mais parece um partido unipessoal) consigam apresentar 5.000 militantes no activo e por conseguinte, pergunto-me como seria possível levar o TC a questionar esta situação, não só por motivos do esbulho das finanças públicas, como por uma mera questão de higiene política.
Ao contrário da fábula, aqui a rã continua a inchar, a inchar cada vez mais, pois aparentemente, o não cumprimento de preceitos da Lei dos Partidos Políticos, dá-lhe uma resistência inusitada que inibe o seu natural rebentamento.
Por último, quem não foge ao ridículo é a CNE, essa sim, que deveria recolher dados objectivos dos partidos e não as suas meras declarações, que mesmo falseadas, provávelmente serão sempre aceites como boas.
E assim vão as coisas por cá, gastando olimpícamente dinheiros públicos com quem, que por falta de massa crítica, não trás qualquer mais valia política ao País.
Os pequenos partidos a inchar na proporção do chinfrim que fazem, e os grandes, dado que estes não lhes fazem sombra, ignoram com sobranceria esta situação, e como de costume, o Zé paga... e não bufa!