sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

PORTUGAL ESQUIZOFRÉNICO.

Hoje, num programa de televisão, um “forum” com participação popular, fiquei siderado com a intervenção de um cidadão de Beja, empresário, de 37 anos de idade. Dizia então esse senhor: “Ora, se temos crianças com fome, então temos de mudar de Governo. É preferível ter outro Governo, do que ter crianças com fome em Portugal!” O tom da intervenção foi tão cândido, que quase podíamos ser levados a pensar que ambas as coisas estariam directamente relacionadas, sendo que os meios financeiros necessários para resolver os problemas da fome, não passariam de uma mera abstracção, que facilmente seria resolvida com uma mudança de Governo.
É claro que este raciocínio está profundamente enquinado pela forma como se faz política em Portugal.
Enquanto a oposição clama por “sol na eira e chuva no nabal”, o Governo tem preferido reparar a eira e lavrar o nabal, na expectativa de melhores resultados futuros. É claro que esta diferença de atitude tem um profundo reflexo na opinião pública, de um modo geral desinformada e intoxicada com propagandas partidárias várias, que pululam da esquerda à direita do espectro político nacional.
É evidente que a população que mais sofre com isto manifesta-se desagradada com as posições Governamentais, embalada que está no canto de sereia das oposições irresponsáveis.
É por demais evidente que o Partido Socialista, se agora ascendesse ao poder, não conseguiria fazer nada de diferente do que está a ser feito, ou então lançaria o País na mais desastrosa  bancarrota.
Portugal tornou-se num País políticamente esquizofrénico, em que toda a gente quer simultâneamente uma coisa e o seu contrário.
Uns pregam a austeridade a todo o custo, mostrando grande insensibilidade, e não reconhecendo que os resultados não têm atingido os objectivos esperados, mostram-se surpreendidos por isso, não admitindo nem por um segundo, que se tenham enganado nos pressupostos de partida. Os outros lá vão dizendo que são a favor da austeridade, mas não DESTA austeridade, sem apresentar nenhum plano concreto de alternativa viável.
O Governo anuncia que vai diluir os 13º e 14º meses ao longo do ano. Vem a Confederação Portuguesa do Comércio clamar que essa medida lhes daria cabo da vendas Natalícias. O Governo então decide que isto só acontecerá com o subsídio de férias, e logo os operadores de Turismo gritam que isso lhes vai destruir do negócio. E afinal em que ficamos? Numa solução salomonica, que pelos vistos não agrada a ninguém.
Os Portugueses dão 13% dos votos ao Partido Comunista e ao Bloco de Esquerda, mas depois dão-lhes força na rua para contestar o Governo que elegeram.
Enfim... Isto é esquizofrenia.
A desonestidade do comentário político é gritante! Diz-se que a TAP será vendida a preço de saldo, 20M de Euros, sem explicar que existe um passivo de 1.200M de Euros, mais uma necessidade imediata de reforçar os capitais próprios em 500M de Euros, além de toda a operação financeira necessária à renovação da frota.
Os demagogos contumazes do Bloco de Esquerda gritam que existem 12.000M de Euros para ajudar a Banca, mas que não há dinheiro para os reformados, “esquecendo-se” estrategicamente de referir que os Bancos estão a pagar uma taxa de juro de 8,5% ao Estado, dinheiro que foi emprestado a uma média 3,6%.
Enfim, um enorme fluxo de informação falsa, distorcida e demagógica, vai escorrendo dos jornais e das televisões, para uma opinião pública geralmente mal informada, e que teima em só ter como verdadeiras as notícias que lhe agradam.
Todos opinam sobre tudo e sobre nada!
E assim vai o nosso “Portugalete”, “pobrete, mas não alegrete”, confundido, desiludido e irado com a situação em que se encontra, com um medo irracional de correr riscos, esperando sempre que alguém os corra por ele, ou que no mínimo lhe dê garantias de ressarcimento caso as coisas não corram bem. Este “Portugalete” que se endividou a comprar casa própria porque nenhum Governo se atreveu a mexer numa lei da rendas, intocada, ou quase, desde 1948. Este “Portugalete” que na ilusão do dinheiro fácil e garantido, aderiu entusiasticamente à Europa e ao Euro sem cuidar da factura que fatalmente lhe viria ser apresentada. Este “Portugalete” que votou permanentemente em Governos que prometiam o que não podiam proporcionar. Este “Portugalete” onde o carreirismo é rei e a meritocracia mal vista. Este “Portugalete” onde a burocracia impera impunemente, alimentando-se do desespero dos cidadãos. Este “Portugalete” que só brama contra a corrupção quando lhe vão ao bolso. Este “Portugalete” que “engole” tudo o que lhe metem pela goela abaixo, na esperança de que as coisas possam vir a ser diferentes.
Einstein costumava afirmar que fazer a mesma coisa vezes sem conta à espera de resultados diferentes, não passava de uma forma de loucura.
Eu concordo totalmente com ele: Portugal está esquizofrénico!

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

SOB A TUTELA DO MEDO.



Quando era pequeno, lembro-me de me assustarem dizendo: “Se não come a sopa toda, chamo o polícia!”.
Não sei o que teria de assutadora, a figura gorda e cheia de bonomia, que regularmente patrulhava a nossa rua. Era um homem grande, que vestia uma farda de coçado cotim, com uma considerável concentração de gordura na zona da nuca, cujas calças largueironas eram presas por um largo cinturão, do qual sobressaía o coldre da pistola e pendia um ameaçador bastão.
Na realidade, por pouco assustador que o guarda de giro fosse, a verdade é que eu, mediante a ameaça, comia a sopinha toda e não refilava. Pelos vistos, o medo fazia o seu caminho e sobrepunha-se à minha falta de vontade de comer a mistela a que chamavam de sopa.
De facto, o medo sempre constituiu uma arma poderosa, que consolidou reinados, que impôs morais e que sempre constituiu uma poderosa arma política, que se bem utilizada, funciona com uma enorme eficiência. Na sua obra prima “O Principe”, já Nicolau Maquiavel dizia que a um soberano servia mais ser temido do que amado. Esta é realmente a verdadeira e sinistra dimensão política do medo.
Hoje em dia, nos tempos conturbados que atravessamos, somos regular e presistentemente ameaçados com a saída do Euro, e o alegadamente desastroso regresso ao Escudo.
Na verdade, vão aparecendo estudos e planos que não confirmam nem preconizam um desastre de grandes dimensões para essa eventualidade. Um regresso programado e bem organizado à moeda nacional para transacções internas e a constituição de reservas de divisas fortes para as transacções internacionais, não só se apresenta viável, como até recomendável.
Com soberania sobre a nossa moeda, poderíamos desvalorizá-la com cautela, de modo a controlar a recuperação da economia sem o desastre social, económico e financeiro que nos está, e continuará por largo tempo, a ser imposto.
Então porquê assustar as populações? Porquê instalar um medo quase irracional e apresentar como tragédia o retorno à moeda nacional, mesmo sabendo todos no intímo que mais tarde ou mais cedo será inevitável acontecer? A quem aproveita este culto do medo do regresso ao Escudo?
Em primeiro lugar não podemos esquecer que de há umas décadas para cá, vivemos sob a tutela de poderes políticos totalmente capturados pelo poder financeiro, e este último só tem a ganhar com a situação vigente.
Os políticos, ao serviço do poder financeiro, através da forma como se foram endividando e hipotecando os seus Países, pensam com temor na quantidade de vantagens, poder, previlégios e mordomias que perderiam se não zelassem pelos superiores interesses de quem os tutela. A Banca, é claro, seria confrontada com um esquema cambial que em nada beneficiaria as pouco claras transacções e aplicações dos tais “produtos complexos”, acerca dos quais, nem mesmo eles entendem totalmente o funcionamento.
No fundo, como o padrão da moeda passou a ser a dimensão da dívida, confrontamo-nos com o paradoxo de que quem é mais rico é quem mais hipóteses tem de se endividar. O dinheiro deixou de ser um meio de pagamento, e passou ele próprio a ser uma simples mercadoria.
Estando Portugal inserido numa zona monetária, constituída por Paises com economias de sustentabilidade completamente diversa, pouco interessará às economias mais poderosas a recuperação das mais debilitadas, pois a situação actual dá-lhes competitividade à moeda, beneficiando da fraqueza dos mais pobres, mas que apesar de tudo constituem mercados de consumidores, que assim podem ser controlados pelas economias mais fortes. Lembrem-se das tremendas pressões de que Portugal foi vítima por parte do Governo Alemão, aquando a privatização da EDP, e que só não conseguiu os seus intentos porque os Chineses puseram a fasquia tão alta, que nem a Alemanha lá pôde chegar.
A tentativa de Germanização das economias da Europa do Sul, controlando intolerávelmente os custos do trabalho e do consumo interno, aliada aos movimentos políticos tendentes a modernizar a industria Rússa, dariam finalmente à Alemanha aquilo que ela não conseguiu por via das armas: Uma hegemonia Europeia de grande alcance político e económico e cuja arma utilizada, mais não é do que o Euro.
Não nos deixemos portanto sucumbir ao medo que nos está premeditadamente a ser instilado, com inconfessáveis e sinistros objectivos políticos.
Defendamos pois o regresso à soberania da nossa moeda e denunciemos as miseráveis manobras que estão sendo levadas a cabo, amedrontando e mentindo às populações, omitindo e falseando as opiniões e os estudos de reputados economistas, divulgando apenas o trabalho de gente que já está total e completamente capturada pelo poder financeiro e que nada está preocupada com o bem estar das Sociedades..

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

SOB O SIGNO DA ESTRELA DE DAVID.

Tenho de começar por esclarecer que nada me move contra os Judeus em geral, e muito menos em particular, já que tenho muitos amigos Judeus que muito prezo e admiro.
Esta espécie de registo de interesses justifica-se pelo facto de que se o não fizesse, seria provávelmente apelidado de xenófobo, racista e anti-semita, coisa que não sou.
Por outro lado, se a minha tolerância não tem eco do outro lado da “barricada”, então sinto-me suficientemente liberto e desinibido para exteriorizar sem complexos, algumas coisas que me incomodam, mesmo correndo o risco de ser “políticamente incorrecto”.
O facto de eu não ser anti-semita  não significa que eu aceite com facilidade as filosofias e políticas ditas Sionistas. O Sionismo, e para isso basta consultar a acessível  Wikipedia, trata-se de uma filosofia política, baseada num Nacionalismo exacerbado que, resumidamente, tudo justifica em prol do Estado de Israel, sem olhar a meios ou métodos, que não só o mantenham, como também o reforcem.
Vem tudo isto a propósito de uma conferência, recentemente ocorrida na Fundação Gulbenkian sob o signo de “Os Refugiados do Holocausto e Portugal”.
Não posso deixar de reconhecer a importância do tema, que ao que parece foi ampla e abertamente discutido. Não tendo assistido a este simpósio, mais não me resta do que comentar o que a imprensa de referencia publicou sobre o assunto, e assim, aqui me arrogo o direito de interpelar o Embaixador de Israel em Lisboa, Sr. Ehud Gol, que no âmbito deste encontro se atreveu a tecer juízos e comentários  que de forma nenhuma posso aceitar.
Diz este diplomata  que Portugal tem “uma nódoa” que os Judeus não esquecem. E que “nódoa” é essa? A de que “Portugal foi o único País  que colocou a bandeira a meia haste durante três dias, quando foi conhecida a morte de Hitler”.
Pois bem, se me perguntarem se concordo? Não concordo! Mas que raio, eu ainda nem tinha nascido, e portanto, com propriedade me pergunto, o que tenho eu a ver com isso?
Não creio que o senhor Gold achasse correcto que fosse intrepelado  pelo facto dos seus antepassados terem libertado o ladrão Barrabás e enviado Cristo para a cruz.
Depois surge uma crítica sobre a ruína em que se encontra a casa de Aristides Sousa Mendes, utilizando termos, no mínimo indelicados, afirmando a certo passo: “Não venham ter connosco, ou com os EUA para tratarmos da casa. Façam vocês algo para promoverem os vossos “justos”.” Ora bem, os meus "justos" sou eu que os classifico e não qualquer estrangeiro, seja ele Diplomata ou carroceiro.
Dadas as circunstâncias históricas, no meu ponto de vista, isto não só é ofensivo, como realmente intolerável! Temos tanto Património histórico a recuperar, que não descortino a enorme prioridade dada à casa de Sousa Mendes, um solar em ruínas, como muitos outros, perdido lá na profundeza das Beiras, e sobre o qual, nem os herdeiros se entendem.
Para lá desta enorme falta de educação e de arrogância, o embaixador mostrou-se chocado pelo facto de os “professores Portugueses não aprenderem nem ensinarem o suficiente sobre o holocausto”, acrescentando que esta formação é ministrada  pela escola internacional do Yad Vashen (o Memorial do Holocausto em Jerusalem). Ora bem, e porquê? Isso será mais importante do que, por exemplo, do que ensinar sobre o desastre de Alcacer Quibir?
Não acredito que qualquer pessoa com um módico de sensibilidade e humanidade, possa ficar  insensível à barbárie em que consistiu o holocausto, mas daí a tornar-se obrigatóriamente um assunto prioritário no nosso programa de ensino obrigatório, vai uma enorme diferença.
Há também que não esquecer os massacres prepretados por Israelitas em aldeias Palestinas nos anos do pós-guerra, do constante atropêlo aos direitos humanos levados a cabo sobre populações civis na faixa de Gaza, da insidiosa invasão de colonatos em território da Cisjordânia,  o massacre levado a cabo por Ariel Sharon sobre campos de refugiados Palestinos na Jordânia, no qual nem os cavalos escaparam, e tantas outras indignidades, como a construção de um "muro", com todas as suas conotações, que define a fronteira entre Israel e Gaza.
No seu geral, trata-se de uma história triste e repleta de barbaridades, que não pode ser perpetuada, sendo permanentemente extirpada dos actos de um lado e potenciada pelos actos do outro.
Tenho institucionalmente respeito pelo Corpo Diplomático e pelos Diplomatas em geral, mas como “quem não se sente, não é filho de boa gente”, aconselho o senhor Gold a ter alguma moderação na forma como se dirige aos Portugueses. Em primeiro lugar, porque objectivamente não participaram, nem directa ou indirectamente no holocausto, e em segundo, porque não aceitamos lições de moral de ninguém, muito menos do representante de um Povo, que tendo sido vítima de um crime hediondo, não se pode arrogar ao direito de invocar esse crime “ad saeculae saecolorum” como uma justificação para crimes do mesmo tipo, praticados em nome de uma filosofia política igualmente odiosa, dando sempre como justificação o seu próprio sofrimento. Sem se dar conta (ou talvez não), o Estado de Israel está-se a colocar moralmente ao mesmo nível daqueles a quem acusam de tentarem o seu genocídio.

terça-feira, 30 de outubro de 2012

ACERCA DE “BEZERROS DE OURO” E “VACAS SAGRADAS”.


Não sou historiador, nem mesmo um estudioso, mas a ideia que tenho é de que o primeiro simulacro de um texto Constitucional foi-nos trazido pela mão de Moisés e mais não continha do que um conjunto muito simple de regras, às quais chamámos de “Dez Mandamentos”.
O Decálogo não passa da enunciação simples de dez princípios básicos que deveriam reger a humanidade. O “Não matarás!” é absoluto, mas fica depois para as autoridades vigentes, a avaliação da culpa, se foi por maldade, legítima defesa, negligência, etc... No entanto a base está lá e é absoluta: “Não matarás!”
Claro que Moisés, para fazer respeitar o Decálogo teve de se impor ao seu Povo, destruindo um blasfemo e pagão Bezerro de Ouro, que vinha sendo adorado à sombra de orgias, roubos e assassinatos. A partir desse momento, o simbolismo do Bezerro de Ouro passou a ser utilizado para infamar e expurgar das Sociedades todos os vícios e desvios que atentavam contra a sã convivência e respeito pelo próximo, como meio de promover a concórdia, explicitando bem o que não pode ser feito, e por exclusão de partes, o que é permitido fazer.
Se repararmos bem, este devia ser verdadeiramente o papel de uma Constituição: Derrubar os Bezerro de Ouro e promover a justiça e a concórdia entre os Cidadãos. A regulamentação desses comportamentos, essa ficaria sempre a cargo das elites dirigentes, que sempre poderiam divergir nas ideologias, mas nunca nos princípios morais fundadores do respeito do Homem pelo Homem.
Já em 1215, a “Magna Charta Libertatum seu Concordiam inter regem Johannen at barones pro concessione libertatum ecclesiae et regni angliae”! (Grande Carta das liberdades, ou Concórdia entre o rei João e os Barões para a outorga das liberdades da Igreja e do rei Inglês), mais conhecida somente por Magna Carta, foi outorgada, não para defender os poderosos, mas sim para equilibrar os vários poderes e proteger o Povo, e assim, quase 800 anos depois continua a representar a base Constitucional do Povo Inglês, que pode ser acusado de tudo, menos de antidemocrático.
A constituição dos EUA, redigida por Thomas Jefferson, tem na sua origem pouco mais de uma folha, tendo essa mesma folha promovido a democracia por quase um quarto de milénio.
Por cá, por esta Europa continental infectada pelos preceitos da Revolução Francesa e seus ideólogos radicais, entendeu-se que as Constituições deveriam comportar ideologia, com aquela ideia redutora professada pelas elites inferiores e inseguras, de que o Povo deveria ser defendido de si próprio, e assim, as Constituições que deveriam ser a prevenção de noveis Bezerros de Ouro, tornaram-se elas próprias em Vacas Sagradas.
Específicamente entre nós, após a primordial Constituição de 1820, vieram-nos dizer em 1910 que TÍNHAMOS de ser Republicanos, em 1933, com o advento do Estado Novo, a "Bem da Nação" não havia qualquer possibilidade de discordância com o regime estabelecido. Em 1976 disseram-nos que TÍNHAMOS de ser Socialistas, ou tendencialmente Socialistas(?)!
Curioso, este entendimento da Democracia, que em certos casos não nos dá liberdade de escolha e em outros nos impõe a sua própria escolha, sob o argumento de que a Assembleia Constituinte tinha a representatividade Popular. E não tinha como todos sabemos, não só pela forma como foi constituída a Assembleia, como pela forma em que foi votada e aprovada a Constituição!
E assim, retocada mas intocada na sua carga ideológica, a Vaca Sagrada prosseguiu a sua marcha, ao sabor de todas as incompetencias governamentais e de todos os interesses partidários, quando não mesmo de interesses meramente pessoais ou corporativos.
Deste modo, presos na nossa própria teia, reféns da incúria e estupidez das várias classes dirigentes, dificilmente conseguiremos enviar a Vaca Sagrada para o matadouro, no qual há muito deveria ter sido levada a cabo uma piedosa e indolor execução, extirpando-lhe de vez toda e qualquer carga programática.
Entretanto, com o mundo a mudar à nossa volta, com manifesta incapacidade de gerarmos riqueza, com condições internas e externas completamente diferentes das de 1976, vamos alegremente alimentando a Vaca Sagrada, na ilusão de que ela nos protegerá da cólera dos Deuses, como se pensara há milénios, acerca do profano Bezerro de Ouro.
Com as questões ideológicas protegidas ou proíbidas pela chamada Lei Fundamental, é de prever que, de tão alimentada ideológicamente, a Vaca Sagrada que é a nossa Constituição, acabe por nos soterrar no seu próprio estrume, o qual será inevitávelmente lavado para as sarjetas pelas mangueiras do progresso.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

UMA REFLEXÃO OPORTUNA.



Ontem revi o filme de Bertolucci, "Kundun". É um filme muito bem feito e que retrata de uma maneira carinhosa, mas fiel, a ímpar figura do actual Dalai Lhama.
Não sou budista, mas entendo quanto é sedutora uma filosofia, tornada religião, que professa os valôres fundamentais de uma moral universal: O respeito pela vida em todas as suas manifestações, o profundo respeito e amôr ao próximo, a tolerância e a apologia da não-violência, levada às suas últimas consequências.
Esta história, que tão bem conhecia, levou-me a pensar de novo no que estará errado na nossa sociedade, no que gera os conflitos, no que nos torna intolerantes.
No fundo, a verdade é que nos custa aceitar os que não pensam como nós, os que não agem como nós e os que não são como nós.
Esta reflexão, apanhou-me ao adormecer, pensando se não deveria ser mais consensual, ou talvez menos conflituoso, naquela "twiligth zone" em que a política e a vida pública se misturam de forma quase osmótica com o espírito e a moral.
Hoje, esperando num consultório médico a hora de ser atendido, passei os olhos naquelas revistas "jurássicas" que se amontoam normalmente nas salas de espera.
No meio daquele monte confuso de papeis, uma pequena publicação, quase artesanal, chamou-me a atenção. A data era de 1988 (!) e o nome a "Cruzada".
Curioso passei-lhe uma vista de olhos. É uma publicação católica, simples e "naíf", com artigos díspares sobre a Igreja Católica, vidas dos santos, testemunhos de fé, etc... Um desses artigos, recordando a personalidade do Papa Paulo VI, reproduzia o seu testamento, que eu li com interesse.
A determinado passo, diz Paulo VI:

 
"Sobre o mundo: Não se julgue que é ajudá-lo adoptar-lhe os pensamentos, os costumes e os gostos, mas sim estudá-lo, amá-lo e servi-lo."

Apercebi-me de súbito que esta pequena passagem respondia em grande parte às interrogações com que tinha adormecido na véspera.
Cáspite! Como me foi aparecer à frente uma publicação de 1988 com tão singular texto?

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

NÃO FUI EU! FOI AQUELE MENINO...


Quem não se lembra, nos idos tempos de escola, do “queixinhas” da turma? Aquele que fazia a asneira e quando era repreendido, de olhos húmidos e nariz ranhoso, baixava o olhar e apontando indiscriminadamente para alguém, respondia com voz sumida: “Não fui eu! Foi aquele menino...”
Este personagem antipático, incapaz de admitir a sua culpa com dignidade, era sempre apontado como aquilo que cada um de nós, ainda crianças, não nos devíamos tornar em adultos.
Esta lembrança remota do “queixinhas” de serviço, tem-me ocorrido nos últimos tempos, sempre que oiço alguém afirmar com um ar indignado que não foi o culpado da crise que o País atravessa, que não gastou acima das suas possibilidades e que não é responsável por uma dívida que não contraíu.
O passo seguinte é o de encontrar os ”verdadeiros” culpados, e aí a panóplia é vasta. Desde os revolucionários do 25 de Abril, passando pelos vários Governos e terminando fatalmente no actual, há versões para todos os gostos e paladares.
A única coisa que não vi, foi alguém assumir as verdadeiras responsabilidades.
Todos nós somos culpados! Não interessa sequer saber se somos mais ou menos culpados. Somos culpados, PONTO FINAL.
Independentemente da perplexidade que me assalta à vista das últimas manigancias e trapalhadas em torno do Orçamento de Estado para 2013, não posso deixar de concordar com o Ministro das Finanças, quando ele afirma que os Portugueses terão de escolher entre impostos altos e funções sociais do Estado.
E vamos mesmo ter de escolher!
Um País que durante décadas consumiu mais 10% do que produziu, e isto são dados reais, objectivos e mensuráveis, é colectivamente responsável pelo actual descalabro das contas públicas. Um País de pelintras que é o País Europeu no qual existe o maior numero de pessoas com segunda habitação, é solidáriamente responsável pela dívida externa de Portugal.
Como não entender que com uma inversão total da pirâmide demográfica, é impossível assegurar as reformas esperadas, se dentro de poucos anos não teremos gente suficiente para descontar para elas? E, em última análise, quem votou nos sucessivos Governos que nos enterraram em anteriores intervenções do FMI, que fomentaram o despesismo individual, que nos impuseram o raio de uma moeda que só nos tem empobrecido e em políticos incapazes de alterar uma Constituição decrépita e prenhe de ideologia? Fomos todos nós!
Há depois quem diga que não votou, que votou em branco ou que votou sempre em partidos que não ganharam. Pois é! Mas é assim que diz a nossa Constituição e são assim as regras do jogo, por muito que não concordemos com uma e com as outras. Platão dizia que quem não se envolve na política, acaba sempre por ser governado por gente inferior, o que manifestamente parece ter a concordância de toda a gente, pelo menos a avaliar pelo descrédito generalizado da classe política e que se transforma num clamor quase nacional, relativo a abusos e previlégios, que sempre existiram e com os quais nunca ninguém verdadeiramente se preocupou.
Portanto, assumamos as nossas responsabilidades. Somos todos culpados!
Desde baixas médicas com pouca justificação real, até a várias habilidades com prestações sociais, passando situações de benefício, mesmo que legal, dificilmente justificáveis, toda a gente participou, com maior ou menor benifício, no déficit das contas públicas.
Não vale a pena, pois, imitar o “queixinhas” da escola, e com os olhos lacrimejantes, dizermos: “A culpa não foi minha! A culpa foi deste ou daquele...” pois isso não corresponde à verdade.
Na realidade, a culpa foi nossa, nossa de todos nós, dos que fizeram ou deixaram fazer, dos que roubaram e dos que se deixaram roubar, dos que votaram e dos que se abstiveram, dos que aproveitaram ou deixaram aproveitar.
Não vale a pena enjeitar responsabilidades, pois não é isso que as vai fazer mitigar, nem fazer desaparecer como num passe de mágica, a difícilima situação em que nos deixámos colocar

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

O RICAÇO E O PELINTRA.


O Fonseca já não via o Antunes há uns bons anos.
Desde os tempos de colégio, nos quais partilhara a sua carteira com ele, as suas vidas divergiram, e só de tempos a tempos, em notícias de jornal ou pela boca de velhos conhecidos comuns, se foi dando conta de que o Antunes tinha subido na vida e se instalara no topo da pirâmide social. Em suma: O Antunes fizera fortuna!
Assim, quando se dirigia para o edifício do velho Colégio, no qual se organizara um encontro dos alunos do seu curso, perguntou-se se o Antunes lá estaria. Teria descido à plebe, com o objectivo de resgatar velhas memórias dos tempos do idealismo e da inocência?
Pois bem, logo que franqueou a porta, o Antunes dirigiu-se a ele, de braços abertos e estreitou-o num estranho, mas efusivo e forte  amplexo.
“Fonseca! Há quantos anos companheiro? Não imaginas as vezes que tenho pensado em ti... que é feito de ti, rapaz? “. Um pouco desconcertado, Fonseca, a quem a vida não tinha corrido de feição, retribuiu o cumprimento e balbuciou um clássico e muito Português“...lá vou andando...”
Trocaram-se mais alguns cumprimentos de circunstância, e como a cerimónia estava chata e a hora do jantar se aproximava, o Antunes alvitrou que fossem os dois jantar para “pôr a conversa em dia”. Um pouco atrapalhado e pensando na escassez do seu saldo bancário, o Fonseca sugeriu, meio envergonhado, que só se pagassem a conta a meias, ao que o Antunes logo acedeu, dando-lhe uma palmada nas costas. “Tal como nos velhos tempos, não é Fonseca?” E lá partiram os dois em direcção à baixa em busca de um restaurante.
O bulício da rua, a vozearia geral, as gargalhadas dispersas, e aqui ou ali, a buzina de um carro, quase causavam tonturas ao pobre do Fonseca, que dava tratos à cabeça para se lembrar de um restaurante digno, mas que não fosse muito caro.
Afinal, ele um pelintra, com um emprego de que não gostava, mal pago e precário, estava ali para jantar com o seu amigo que entretanto se tornara milionário. E se acaso o Antunes lhe arranjasse um trabalho? Poderia ele sugerir isso de forma pouco ostensiva? Seria que ele o ajudaria? Bem podia, caramba...
De repente viu um restaurante que conhecia, que era razoável e acessível, ao qual ele de vez enquanto levava a jantar uma das suas sucessivas namoradas. Agarrou o braço do Antunes e sugeriu: “Olha lá, vamos aqui a este. Eu conheço o pessoal.  Eles são sempre muito simpáticos e...” O Antunes olhou para dentro do restaurante, torceu o nariz e retorquiu: “Eh pá, aqui a comida não presta, vamos antes aquela marisqueira ali à frente.” E a passos largos dirigiu-se para uma marisqueira que exibia na montra uns aquários com os mais diversos crustáceos. O Fonseca titubeou qualquer coisa, tomado de aflição, mas não teve outro remédio senão seguir o outro.
Já sentados à mesa, o Fonseca olhou para a ementa e os seus olhos pregaram-se na coluna da direita, não querendo sequer saber quais os pratos disponíveis.
Quando o criado se aproximou, cumprimentou o Antunes com alguma familiariedade e perguntou ao Fonseca: “Que vai querer o senhor?...” O Fonseca com uma voz meio sumida respondeu: “Olhe... traga-me um bitoque e uma imperial.” O Antunes, sem levantar os olhos da lista pediu: “Olhe, para mim é uma lagosta à Thermidor e uma garrafa de Vinho Verde Alvarinho muito fresca.” Pousou a ementa, olhou o Fonseca nos olhos e perguntou-lhe: “Finalmente, explica-me lá o que tens andado a fazer estes anos todos?” Com a voz sumida, e pensando já no cheque sem cobertura que iria ter de passar para pagar a metade do jantar, respondeu: “Ora, nada de especial... sabes como é? Trabalho, umas festas, umas miúdas de vez em quando, enfim... tu sabes, o costume!” e com uma certa melancolia apercebeu-se naquele momento de que nada na sua vida iria mudar.

É uma historieta que me apeteceu escrever, e que teve basicamente como modelo inspirador o que aconteceu a Portugal quando decidiu aderir ao Euro. Uma fábula que de algum modo pretende ilustrar a imprudência política e o desastre económico que foi a entrada de Portugal na moeda única Europeia.
Pouca cautela, ambição e no fundo querer fazer-se passar pelo que não era e assim, como o “Fonseca”, estamos a pagar metade de um jantar, pantagruélico para alguns, mas muito modesto para outros.
Ao abdicarmos da nossa moeda e aderirmos a um espaço monetário que enquadrava moedas  fortes, como o Marco, o Florim e até o Franco, ajudámos, juntamente com outras economias fracas, a manter o Euro com um câmbio baixo, potenciando e ajudando as exportações das economias ricas, enquanto nós, sem competitividade e afogados em dívidas, não temos qualquer instrumento para relançar a nossa economia.
Se neste momento a Alemanha, por exemplo, tivesse moeda própria, com o dinamismo da sua economia e os superavits comerciais que possui, o Marco estaria muito mais valorizado do que o Euro, e aí pergunto-me a quem venderiam eles os seus Mercedes, Audis’s e BMW’s.
Perante esta perspectiva, só um tonto ou um ingénuo pode sonhar com a solidariedade Alemã, e consequentemente da UE,  pois isso seria totalmente contra os interesses das mais dinâmicas economias Europeias. Quanto mais economias na Europa estejam em dificuldades, mais competitivo fica o Euro para os Países do Norte, e assim permaneceremos, agrilhoados a esta moeda maldita, não para nosso interesse, mas para interesse dos outros.
Quanto a nós, os pelintras, temos de agradecer a Mário Soares e a Cavaco Silva a imprudência de terem ido jantar com o “Antunes” Europeu, que é como quem diz, com quem beneficia muito mais do que nós com a actual situação.
Por esta razão é necessário que Portugal se mentalize que se quer continuar a ser um País soberano,  É URGENTE SAÍR DO EURO!

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

ANATOMIA DE UMA DESILUSÃO.


Confesso que me iludi!
E de facto, como o meu Pai muito bem afirmava, só se desilude quem primeiro se ilude. Profundamente preocupado com o rumo que as finanças do País tomavam, foi com alívio que vi o voto afastar para Paris o obreiro de um desastre económico sem precedentes na nossa história recente.
A postura séria de Passos Coelho, a aura de que vinha rodeado Vitor Gaspar, o sucesso académico de Santos Pereira, a fama de Paulo Macedo e os demais nomes já conhecidos, indiciavam que realmente Portugal poderia tomar um rumo sério em direcção a um futuro prometedor e mais próspero.
Admito que torci o nariz à presença de Miguel Relvas no enlenco Governamental, mas admiti que alguma experiência política poderia ajudar o novo Governo nas tarefas mais delicadas.
Concordei em absoluto com as medidas que desde logo foram anunciadas, que embora duras, pareciam adequadas à emergência do momento.
Sobre as prometidas reformas estruturais, conhecendo bem a natureza do País em que vivo, admiti que tivessem de ser bem “trabalhadas”, com negociações mais delicadas e com prazos de entrada em vigor mais alargados.
Depois começaram os pequenos incómodos: Nomeações políticas discutíveis, excepções à regra no âmbito de empresas públicas, acessores aos quais de forma enviesada não lhes eram retirados os subsídios subtraídos ao resto da função pública, e o práticamente total abandono do compromisso de reduzir o numero de Municípios, mascarando este sinal de grande fraqueza com um pífio plano para fundir Freguesias.
Aí ainda a ilusão permanecia.
Um pouquinho abalada, é certo, mas permanecia, pois parecia patente que todos os Portugueses estavam conscientes da gravidade da situação e pareciam dispostos a colaborar com o Governo na solução dos mais prementes problemas.
Depois começam a surgir casos mais graves: Começou com o chamado caso das “secretas”,dossier desastrosamente gerido pelo Primeiro Ministro, e que acabou por descambar nos sucessivos escândalos envolvendo Miguel Relvas. Mentiras, contradições, uma licenciatura estranhíssima, e cavando um pouco mais fundo, histórias pouco edificantes acerca da sua ascenção política e pessoal.
A estranheza começou a tornar-se tanto mais incómoda, quanto mais o Chefe do Governo insistia na protecção de Relvas, sendo profundamente manifesto que o Ministro estava políticamente incapacitado, e passou a ser mediáticamente representado por António Borges, que pago a peso de ouro, parecia desempenhar um papel de ministro-sombra. A questão da RTP foi um desastre! Sem modelo definido, falou-se de todo o tipo de soluções, algumas de tal forma estapafúrdias que ameaçaram estalar o verniz entre os partidos da Coligação Governamental.
Entretanto, aquele precioso consenso político que parecia existir, começava a esboroar-se em virtude de uma olímpica ignorância a que o Governo votou, não só o principal Partido da Oposição, como também não honrou vários pontos do acordo de Concertação Social, conseguido com muito esforço através de uma muito corajosa posição de João Proença.
Finalmente surgiu aquele fatídico dia de 6ª feira, 7 de Setembro!
Meia hora antes de um jogo de futebol da Selecção Nacional, o Primeiro Ministro vem à televisão, e perante o pasmo de todos, anunciou “tout court” que ia retirar 7% dos salários dos trabalhadores por conta de outrém e os ia transferir, em boa parte, para as empresas empregadoras. Em seguida, com um ar bem disposto foi com a mulher assistir a um espectáculo musical, aparentando uma enorme insensibilidade.
Não sou economista, mas confesso que se a medida tivesse alguma justificação plausível, ou fosse “genial” como mais tarde a apelidou António Borges, o mínimo exigido é que ela fosse apresentada detalhadamente aos destinatários, explicando bem o seu alcance e eventual bondade.
Aí a desilusão instalou-se!
A Coligação Governamental tremeu, um milhão de pessoas saíu à Rua sem enquadramento partidário ou sindical, o Presidente da República convocou o Conselho de Estado, e dois dias depois a medida caíu, morrendo na praia de forma totalmente inglória. Na confusão instalada, prepassou a ideia de que o Governo ficara desorientado, e de facto começaram a surgir notícias de medidas orçamentais para 2013, que tanto apareciam anunciadas por idóneos porta-vozes, como rápidamente eram desmentidas. No meio deste enorme e aparente desnorte, a Coligação voltou a tremer, desta vez mais violentamente e o consenso político, antes tão elogiado, esfumou-se de vez.
Agora damo-nos conta de que o Governo falhou em varias previsões. O Primeiro Ministro que em Agosto assegurou aos Portugueses que 2013 iria ser o ano do alívio e da retoma, aparece em Outubro a apresentar o mais violento Orçamento de Estado de que há memória, tudo isto no meio de um tremendo mal estar político.
Confesso que estou desiludido!
Estou desiludido porque me iludi. Achei que por uma vez tinha chegado ao Governo alguém com a força e a vontade necessárias para enfrentar os lobbies, afrontar as corporações, combater os interesses instalados e proteger os Portugueses dos desmandos destes últimos 30 anos. Estou desiludido pois constato que essa força e determinação que nos tinha sido prometida, afinal se esvasiara como um balão furado.
No entanto mesmo sem ilusões, ainda mantenho a esperança, esperando não estar de novo a caír na ingenuidade de mais uma ilusão.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

A MALDIÇÃO DO EURO TEM DE SER ESCONJURADA!


Convinha começar por colocar a seguinte pergunta: Quem foram os irresponsáveis que nos “enfiaram” no Euro sem curar de estudar todas as suas implicações, inclusivamente a que presentemente nos assola? Não sou economista, nem coisa que se pareça, mas desde o início sempre me pareceu uma imprudência. É como um “teso” ir jantar a um restaurante de luxo com um “ricaço” e saber que no fim vão dividir a conta. É só o “ricaço” que ganha com isso, não vos parece lógico?
Claro que para o nosso “establishment” político e financeiro, a simples alusão à saída de Portugal do Euro, provoca reacções de histeria que só encontram paralelo com as reacções do mundo Árabe a um filme ridicularizando Maomé.
Para quem acha que é inevitável permanecer agarrado a uma economia germanizada, que não nos dá nem espaço para respirar, aconselho a leitura deste estudo feito por Pedro Cosme Costa Vieira, da Faculdade de Economia da Universidade do Porto. Não é uma solução única, pois há muita gente que se debruça sobre o assunto, mas pelo menos tem o mérito de nos apontar uma direcção possível.
Se observarmos bem, não me parece que toda esta crise das dívidas soberanas e respectiva evolução, seja uma obra do acaso, ou pelo menos que não tenham um aproveitamento oportunístico.
A Alemanha, quando nos vendeu submarinos ou pretendeu vender o equipamento do TGV, não parecia nada preocupada com a nossa dívida, como não se preocupou a financiar a Grécia para a construção do novo aeroporto de Atenas ou as infraestruturas para as Olimpíadas, sem falar nos 8 (OITO) submarinos que vendeu ao Governo Grego. Em relação à Espanha e à Itália, embora o caso seja diferente, não se descortina o mínimo esforço para viabilizar soluções capazes de debelar a crise de uma forma séria e duradoura.
Toda esta situação está a criar um profundo fosso económico entre a Europa do Norte e a Europa do Sul, onde provavelmente a França irá ficar situada, por muito que tente escapar.
E isto é de interesse para os Alemães? Claro que é!
Com as economias do Sul enfraquecidas, o Euro torna-se numa moeda extraordinariamente competitiva para as exportações dos Países fortemente industrializados. De facto, se não houvesse moeda única, o Marco Alemão estaria altamente valorizado, pelo que seria muito difícil exportar os Mercedes, BMW’s, Audis e outros produtos industriais, dado o valor exorbitante que atingiriam devido ao mercado cambial.
Assim se cumprirá o grande desiderato Germânico de domínio Europeu, que o não tendo conseguido por via das armas nas duas Grandes Guerras do Sec. XX, está a consegui-lo pela via financeira, consagrando na sua órbita os Países da ex-URRS, a Holanda e alguns Nórdicos, que enriquecerão e engordarão à custa do mau desempenho das economias do Sul, que sem meios nem instrumentos para debelar a crise, sempre ficarão reféns desse conjunto de Países e se encarregarão de manter o Euro em câmbios muito vantajosos.
É uma real ameaça da instalação de um bem sucedido IV Reich!
Por trás desta situação parece pairar a sombra diáfana e sinistra do Banco Goldman Sachs, o qual tem conseguido colocar os seus homens de mão em lugares chave desta decrépita Europa. Por cá Carlos Moedas e António Borges, por lá Papademus, Monti, e muitos outros que decerto não conseguiremos identificar.
Esta política financeira predatória, própria do Capital sem Pátria, que destrói Países e rouba soberanias, não teria sido fácil de executar se a Europa não tivesse criado a arma perfeita: O Euro!
Assim, se Portugal estiver disposto a ser pouco mais do que um escravo financeiro da Alemanha, e em última análise a sua fronteira Ocidental, então deverá permanecer no Euro, definhando, empobrecendo e sempre de mão estendida à caridade, sem nunca mais recuperar a soberania necessária para se poder defender através dos instrumentos tradicionais, tais como a desvalorização da moeda e a subida controlada da inflação.
Caso contrário, daqui uns anos, os catastrofistas que hoje prenunciam que a saída do Euro nos ia custar mais de 60% do poder de compra, vão verificar que vamos perder esse mesmo poder de compra, ou mais, sem no entanto nos libertarmos das grilhetas que nos aprisionam e que todos os sacrifícios entretanto pedidos, ou melhor, exigidos aos Portugueses, foram completamente em vão.
Eu estou disposto a sacrificar-me, mas a sacrificar-me por Portugal e não a sacrificar-me pelos outros, que mais não fazem do que nos chupar e infectar o sangue, tal como o mosquito do Dengue já anda a ameaçar fazer em território nacional!

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

A NOSSA DEMOCRACIA É UMA FRAUDE.



Tempos houve  que no Reino Unido, para se ser parlamentar era exigido ter fortuna e distinção social. Desta forma, que parece pouco democrática, os Ingleses preveniam que quem fosse para a política, o fosse por ascenção social ou em busca de dinheiro, este proveniente, ou de fundos públicos ou de mera corrupção.
Realmente, no nosso actual panorama político, grassam políticos profissionais, que mais nada sabem fazer do que pensar na sua ascenção pessoal ou no aumento considerável do seu pecúlio. De facto, uma fugaz passagem pela política, tal como ela exercida em Portugal, constitui uma garantia vitalícia de vantagens e prebendas que mais nenhum cidadão consegue alcançar pelos lícitos méritos do trabalho.
Passados os anos quentes do PREC, em que os desmandos e a novidade da situação proporcionaram momentos de grande azáfama política, rápidamente o exercício da política foi totalmente sequestrado pelos partidos que se instalaram, sustentados pelos impostos de todos nós, e que apoiados por vastos aparelhos clientelares, tudo ditam e decidem neste nosso pobre Portugal, capturado pelos interesses de minorias que se constituiram numa oligarquia blindada ao exercício da cidadania no seu mais amplo sentido.
Assim, o exercício da cidadania em Portugal, a pouco mais se resume do que a regular pregerinação até às mesas de voto, e alegremente escolher os opressores que nos vão oprimir, comer e engordar à nossa custa, e no fundo, ficar felizes por sermos roubados pelo “nosso” ladrão e não pelo ladrão do vizinho.
É triste, mas se for perguntado a qualquer Português quem foi o deputado que o seu voto ajudou a eleger, ele não o saberá, e nem o poderá saber, uma vez que o sistema foi desenhado para que sejam as lideranças partidárias a elaborar as listas eleitorais e assim perpetuarem o fluxo bilateral de tráfico de influências e favores.
A tremenda iletracia política nacional, a par de uma iletracia generalizada, acaba fatalmente por entregar o poder aos incompetentes que melhor se souberam mover nas turvas e mal cheirosas águas dos pântanos partidários, que a salvo de qualquer incómodo, tratam mas é das suas vidinhas.
Este sistema, que a todos embriagou com a palavra “LIBERDADE”, tutelou-nos de tal forma, que essa Liberdade se tornou uma palavra vazia de sentido.
Afinal que Liberdade temos nós? A de escolher quem nos vai espoliar? A de decidir quem vai engordar à conta dos nossos impostos?
Criaram um endividamento astronómico, do qual de certeza se locupetaram com grossas comissões e comprometeram de forma séria as próximas duas ou três gerações. Será possível pedir-lhes responsabilidades? Está visto que não! Basta ver a impunidade com que se passeiam por aí, sem vergonha na cara, dizendo que foram legitimamente eleitos pela maioria dos Portugueses.
Políticos e renomados economistas, travestidos de Ministros das Finanças, assinaram tratados Europeus ruinosos sem nunca perguntar nada ao Povo. Trocaram a nossa soberania por um prato de lentilhas e agoram tocam com insistência na tecla da inevitabilidade para justificarem a continuada, e aparentemente inexorável queda para o abismo.
Como explicar que nos tivessem implicado na aventura da moeda única, sabendo da fragilidade da nossa economia perante as fortes economias do Norte, que como os eucaliptos, tudo secariam à sua volta? Será que foram tão crédulos que acreditaram na solidariedade Europeia? Não acredito! Provávelmente foram só ingénuos, idiotas e incompetentes.
É esta a democracia que tanto elogiam? Justificará este sistema os sacrifícios que nos são exigidos, a troco da parca vantagem de dizermos o que pensamos e ir para a rua gritar impropérios contra a classe política?
Se querem Democracia a sério, então tratem de exigir uma Justiça a sério, capaz de punir os desmandos de quem está incumbido de tomar as decisões. Deixem-nos saber quem é o peralvilho que o voto de cada um ajuda a colocar no poleiro e criem-se condições de o tirar de lá quando o eleitor achar que foi defraudado. Tornem a Constituição menos rígida e mais consentânea com o andar dos tempos. Um documento barrôco, como lhe chamou António Barrêto, tão carregado ideológicamente, jamais conseguirá dar a agilidade necessária ao País para enfrentar a alcateia que nos rodeia e os vampiros que nos atacam.
Por fim tenham a CORAGEM de denunciar esta falsa democracia e deixem de elogiar de forma reverencial todo um regime que para nada tem servido para além do esbulho do Povo.
Sim, sem medo e desasombradamente, daqui proclamo: A NOSSA DEMOCRACIA É UMA FRAUDE!

terça-feira, 2 de outubro de 2012

A HIPOCRISIA SOCIALISTA.

Apresentando um magnífico video produzido pelo blogue 31 da Armada, abaixo se comprova a imensa falta de honestidade do PS e da camarilha que por lá medra e campeia.




Mais palavras para quê? Acho que fica tudo dito!

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

O MITO ISLANDÊS.


Nestes tempos conturbados, nos quais a Europa ainda não se capacitou do seu declínio, e na sequência daquilo a que se chamou de Crise das Dívidas Soberanas, criou-se entre nós o mito de que a Islandia tinha conseguido uma mágica fórmula para se futar às agruras que nos atormentam, em termos de juros e de endividamento excessivo.
A Islandia foi o primeiro País a declarar a sua falencia após a estrepitosa queda do Lehman Brothers, apesar de na véspera, as tão decantadas agencias de rating lhe atribuírem uma classificação de AAA.
A Islandia é um pequeno País: 320.000 habitantes  (práticamente o mesmo numero da nossa cidade do Porto) e uma superficie de 103.000 Km2, o que a põe ao nível de uma provincia média Portuguesa.
Apesar da vantagem de ser energéticamente auto-suficiente a partir das suas inúmeras fontes geo-termais, até 2004 toda a economia deste País insular se baseava na pesca do bacalhau. Encantada pelos cantos de sereia do capitalismo financeiro, a Islandia saltou de sopetão para o sector terciário, passando a ser uma nação que oferecia sofisticados produtos financeiros, com altas taxas de remunerações ao investimento, o que atraíu cerca de meio milhão de investidores estrangeiros, principalmente Ingleses e Holandeses. De notar que estes investidores externos superavam em numero os habitantes do País.
Com a súbita quebra de confiança do mercado inter-bancário, os principais três bancos comerciais Islandeses deixaram de ter liquidez para honrar os seus compromissos. A sua dívida combinada representava cerca de seis vezes o PIB Islandês e não havia forma de a pagar.
Feita esta história, e resumindo, o que se passou foi o seguinte: O Governo Islandês em funções tentou proceder ao resgate dos bancos passando o ónus aos contribuintes, coisa que o Presidente da República não permitiu. Assim, a solução dos problemas foi encontrada da seguinte forma: Congelamento dos depósitos e dos movimentos de capitais. Uma moratória ao pagamento a clientes estrangeiros, na qual pagará a sua dívida entre 2017 e 2023, sempre na proporção do seu crescimento económico. A moeda foi desvalorizada em 80% (!!!) e o PIB sofreu uma recessão próxima dos 6% no primeiro semestre de 2010. De modo a fazer face a um empréstimo de emergência ao FMI, as taxas de juros foram elevadas para 18%(!!!).
Claro que, depois de um “tombo” destes, o País só poderia iniciar uma retoma económica!
De facto, não pagando as dívidas e desvalorizando de tal forma a moeda, não há milagre nenhum neste crescimento.
O que se passou de seguida (e que tanto parece agradar aos Portugueses), foi que um grupo de cidadãos constituiu uma comissão que lançou as bases de uma nova Constituição que sertá sujeita a um referendo.
Contrariando todo o ruído que para aí anda, o Primeiro Ministro foi a julgamento e foi... Absolvido!
Espantam-me pois estas referências permanentes ao “milagre” Islandês!
Em primeiro lugar, se os Portugueses de um dia para o outro perdessem 80% do poder de compra, não haveriam manifestações, mas sim chacinas. Depois, segundo as regras básicas da UE jamais poderíamos fazer uma moratória ao nosso endividamento, nos moldes em que a Islandia o fez, além de que a livre circulação de capitais impediria qualquer congelamento de contas de estrangeiros. Por último, as propostas Constitucionais não podem ser apresentadas pela Sociedade Civil, apenas por estruturas partidárias e a própria Constituição inviabiliza o seu próprio referendamento.
Eu sei que é uma tentação pensar que poderíamos fazer o mesmo, mas não podemos!
Custa-me ver como é fácil embarcar nestas histórias de embalar e propagá-las na Internet sem nenhuma cautela ou decôro.
Estamos numa situação extrema, a qual não me parece resolúvel através das soluções que são preconizadas pelo nosso Governo e pelas Instituições Internacionais, mas não sejamos ingénuos e tentemos resistir áquilo que se costuma chamar de “Wishfull thinking”. Não vale a pena bater com a cabeça nas paredes, pois os movimentos cívicos que se têm levantado por essa Europa fora, decerto serão muito mais eficazes.
Aliás, como diz o Povo, o que não tem remédio, remediado está!

terça-feira, 25 de setembro de 2012

MAIS RECORDAÇÕES DO MEU PAI – A PISCINA.


Um dia o meu Pai levantou-se mais cedo, e de fita métrica em punho desatou a tirar medidas a uma parte lateral do nosso jardim que já quase confinava com as dunas da praia.
Mediu, tornou a medir, fez umas marcações no chão e virando-se para nós que o observávamos com expectativa, anunciou com a pompa que lhe era peculiar: "Vou construir uma piscina!"
A obra lá começou. Para além do facto de não existirem as máquinas de hoje em dia, o acesso aquele canto do jardim era complicadíssimo, já que para um dos lados tinha umas escadas, e para o outro uma estreitíssima cancela que dava passagem para as dunas, isto tudo entalado entre a parede da casa e o muro do jardim. Os homens afadigavam-se com pás, enxadas e carrinhos de mão, cavando naquela areia que insistia em escorrer para dentro da cova já aberta. Sobre a supervisão autoritária do meu Pai, a cova lá foi crescendo, de tal maneira que já tinha quase o dobro do tamanho da planeada piscina. Depois,  lá se conseguiu montar uma cofragem e começou-se a construir aquele grande tanque com cimento ao qual tinha sido adicionado um pigmento amarelo-mostarda (?), de modo a que a piscina tivesse a cor por ele idealizada.
Finalmente um dia ficou pronta: Um tanque de cimento amarelo-mostarda, com quatro metros por dois, uma profundidade de um metro e meio e umas escadinhas a um dos topos.
Canalização não existia! Também, para quê? "Skimers", filtros, motores eléctricos, etc... Eram coisas que, além de estarem pouco divulgadas na época, foram olimpicamente ignoradas, já que o seu custo inviabilizaria a nossa piscina.
Demorou cerca de dois dias a ser enchida com uma mangueira e finalmente ficou pronta para uso.
Foi uma festa! Todos demos mergulhos, chapinhámos e brincámos enquanto o meu Pai anunciava enfáticamente que o almoço iria ser servido na piscina.
Passados três ou quatro dias a água começou a adquirir um suspeitíssimo tom esverdeado, tornando-se pouco convidativa. "São só micro algas. Não tem perigo nenhum!" Opinava o meu Pai, que na altura já era o único a mergulhar naquelas águas sombrias. Mais algum tempo passou, e a água, de esverdeada passou a negra. Pouco tempo depois já se divisavam naquelas águas paradas, as primeiras larvas de mosquito.
"Tem de se mudar a água." Dizia ele, puxando pela cabeça, pois sabia perfeitamente que não tinha sido instalado nenhum ralo no fundo.
Um dia chegou a conta da água e olhos quase lhe saltaram das órbitas quando se apercebeu quanto iria pagar por ter enchido a piscina uma só vez.
A partir desse momento, a piscina morreu!
Mais ninguém pensou nela até ao dia em que a água começou a cheirar realmente mal e os mosquitos tornaram as noites insuportáveis. Lá se chamaram os bombeiros que com uma bomba motorizada esvaziaram de vez a nossa mal sucedida piscina.
Parecia o fim da história, mas com a chegada do inverno, as águas das chuvas acumulavam-se-lhe no fundo e o ciclo de incómodos recomeçava. Então lá vieram os homens outra vez, não para arranjar a piscina, mas sim para a encher de areia até à borda.
Durante algum tempo a única coisa que dela se divisava, era a borda amarelo-mostarda, ligeiramente boleada que assomava da areia. Depois, com as nortadas violentas de Março, até isso as areias das dunas acabaram por cobrir.
Há muito que não passo sequer perto dessa casa e nem sei se ela ainda existe, mas em caso afirmativo, pergunto-me com alguma curiosidade se os actuais residentes suspeitarão que têm uma piscina sepultada no jardim.
E era assim o meu Pai... 

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

ACERCA DE COMO CAÇAR JACARÉS.


Teria eu cinco ou seis anos quando fui confrontado com o meu primeiro enigma.
Era um inverno rigoroso e após o jantar a família tinha-se reunido em volta da lareira. Na altura, na ausência de TV ou outro tipo de distracção , a conversa era previlegiada e cultivada. Após uns momentos fitando as chamas que lambiam as paredes enegrecidas da lareira, o meu Pai inquiriu-me: "Sabe qual é a melhor maneira de caçar jacarés?" Fiquei embasbacado com a pergunta, e considerando que a resposta teria de ser mais sofisticada do que a simples solução de dar um tiro no animal, ou meter-lhe um pau na boca, como vira recentemente nas aventuras de "Tintin au Congo" - ainda não havia livros traduzidos - confessei a minha ignorância sobre o assunto.
Com um sorriso até às orelhas o meu Pai explicou-me então a sua visão de como era mais fácil apanhar um jacaré. Em primeiro lugar teríamos de nos munir de alguns objectos, a saber, um livro realmente chato, um binóculo, uma pinça e uma caixa de fósforos.
o caçador deveria então deslocar-se para a margem de um rio onde houvesse jacarés, e depois de dispor os utensílios à sua volta, pegava no livro realmente chato e começava a lê-lo. Como o livro era de facto chatíssimo, acabaria então por adormecer. Entretanto o jacaré saía do rio na sua direcção, e ao abrir as terríveis fauces soltava um rugido.
Acordando em sobressalto, ainda estremunhado, o caçador pegava nos binóculos para ver o que se passava, mas como estava ainda desorientado pelo despertar súbito e inesperado, pegava neles ao contrário e então via um animal pouco maior que uma lagartixa. Pegava então na pinça e cuidadosamente colocava o jacaré na caixa de fósforos.
Confesso que a história me fascinou por duas razões: Pela sua criatividade por um lado e pela sua inverosimilhança pelo outro.
Durante anos este pequeno "fait divers" da minha infância andou escondido pelas recônditas volutas do meu córtex cerebral, até que há algum tempo o recordei, com uma certa nostalgia por esses tempos de inocência.
Olhando à minha volta com atenção, parece-me descortinar uma legião de pessoas que parecem ter um par de invísiveis binóculos colocados ao contrário, sem ao menos se darem conta disso.
Para essa gente, a realidade é tão virtual como a diminuição da imagem transmitida por binóculos invertidos. Tudo lhes parece ao alcance da mão e tudo lhes parece realmente tão pequeno, quantitativamente, que parece ser fácil de colocar numa caixa de fósforos.
No fundo é uma sociedade que perdeu todo o sentido de perspectiva, que não valoriza o que tem e inveja aquilo que não tem.
Presas da sua tremenda ambição, vítimas dos seus êrros de prespectiva, esta gente deambula pelo mundo previlegiando o "ter" em vez do "ser". Esquece regularmente as suas obrigações para com o próximo, mesmo quando o próximo é realmente "próximo" como sejam pais, filhos, etc...
Estes pobres caçadores de jacarés, para sua infelicidade, não se apercebem de que mais tarde ou mais cedo vão ter de abrir a caixa de fósforos sem se lembrarem de colocar os  binóculos invertidos, e nessa altura, na sua dimensão real, o jacaré decerto não lhes  irá perdoar.

RECORDAÇÕES DO MEU PAI.


Teria eu aí uns oito anos quando recebi de presente de Natal a minha primeira espingarda de pressão de ar.
Era um modelo rudimentar, com pouca força, mas que representava um pequeno sonho realizado, já que uma das coisas que eu mais ambicionava na época era "ir aos pardais" como os meus amigos mais velhos.
O desenvolvimento das circunstâncias que rodearam a compra e oferta daquela caricatura de arma, só os vim a conhecer um pouco mais tarde, mas revestem-se de todo o exotismo e originalidade que sempre caracterizaram de forma indelével todas as acções que envolviam o meu Pai.
Já farto da minha pedinchisse, e como se aproximasse o Natal, decidiu comprar-me a almejada espingarda de pressão de ar. A minha Mãe, quando viu o artefacto chegar a casa, amiga dos animais como só ela conseguia ser, argumentou que não concordava nada com a oferta, já que achava uma selvajaria andar pelas ruas a abater inocentes pardais, que nem para comer serviam. Por seu lado, o meu Pai não discordou em absoluto do argumento e informou que ia tomar as suas providências.
Comprou uma grande e espessa placa de cortiça e uns dardos próprios para a espingarda, com a ideia de que eu iria praticar tiro ao alvo. Depois, olhou para a cortiça e achou que mesmo que lhe desenhasse um alvo, o artefacto era muito pouco atractivo e por consequência decidiu fazer as coisas à maneira dele, ou seja, da forma menos convencional que se possa imaginar.
Tinha adquirido há poucos meses uma caríssima enciclopédia da editora Grolier, magnificamente ilustrada com fotografias e desenhos impressos sobre um espesso e brilhante papel couché. Assim, agarrou numa tesoura, foi-se às nove ou dez páginas relativas aos Dinossauros, destacou-as do volume e entreteve-se durante horas a recortar com notável perícia os animais, um por um. Após esta morosa operação, colou-os todos na placa de cortiça, de forma mais ou menos aleatória e atribui-lhes pontuação, conforme a sua ideia do que poderia valer um troféu daquele calibre. Lembro-me como se fosse hoje que o Tyranosauro Rex valia 100 pontos e era o mais valioso de todos.
Pode-se bem imaginar o meu ar esbugalhado ao receber tão espectacular presente de Natal. Durante três ou quatro dias, encostava o alvo na parede da sala, e diligentemente tentava acertar no T-Rex. À volta do alvo, o reboco da parede foi sofrendo algumas consequências, e para desespero da minha Mãe, cada vez que um dardo falhava a cortiça lá saltava um pouco de estuque da sala de jantar.
Claro que ao quinto dia, com alguns escudos que recebera também pelo Natal, dirigi-me à Drogaria do Sr. Pedro e comprei uma caixa de chumbinhos "Diabolo" e fui com os meus amigos dedicar-me ao massacre dos desgraçados pardalitos, que em boa verdade, dado o modêlo rudimentar da espingarda, pouquíssimos foram atingidos.
Quando o meu Pai morreu a enciclopédia Grolier veio-me parar às mãos, e apesar de irremediávelmente mutilada, não pude conter umas lágrimas quando a folheei e encontrei o local onde antes tinham existido as lindíssimas páginas sobre os Dinossauros que haviam decorado o meu fantástico alvo. E era assim o meu Pai...