quarta-feira, 4 de fevereiro de 2004

CRÓNICA MARCIANA.
(Dedicado ao grande mestre Ray Bradbury)

Foto da superfície de Marte.

A planície inóspita e avermelhada estendia-se à sua frente como um mar encapelado de ondulação estática e cristalizada. Olhou para a sua direita e espreitou para o fundo de uma gigantesca fenda aberta na planície como se um ciclope a tivesse cavado com as mãos. Não lhe conseguia vêr o fundo, fosse por a luz solar não o atingir, fosse pela enorme profundidade a que se encontrava.
Meditou na presistência da corrente de água, já há muito desaparecida, e nos milhares de anos que levara a cavar tão formidável fôsso, enquanto, por qualquer razão ainda não desvendada se dirigia, revolta e furiosa, para o polo, aonde ainda hoje permanecia sob a forma de uma espêssa e quase continental camada de gêlo.
Pequenos redemoínhos alaranjados, criados por uma aragem presistente e contínua que corria rente ao solo, dançavam à sua volta como se fossem azougados diabretes. Súbitas e fortes rajadas de vento surgiam e desapareciam quase instantâneamente, provocando uma sonoridade parecida com o estalar de um chicote que, devido à rarefacção da atmosfera, soava de uma forma quase longínqua.
A constante poeira alaranjada toldava-lhe a visão dificultando-lhe a marcha.
Estava cansado! Cansado e sedento!
Decidiu que era hora de descansar e premiu com decisão o botão vermelho de um pequeno dispositivo que transportava na mão.
Instantâneamente acenderam-se as luzes e um batalhão de técnicos, envergando batas e toucas brancas, percipitou-se para ele ajudando-o a desenvencilhar-se do complexo fato sensorial que envergava, abrindo fechos, desligando conexões e procedendo a complexas leituras instrumentais.
Meio cambaleante sentou-se numa cadeira a um canto da sala e bebeu quase de um trago o copo de água que alguém lhe oferecia.
Passados cerca de oito minutos, na superfície poeirenta e agreste do planeta vermelho, um pequeno robot com cerca de metro e meio de altura e de aspecto vagamente humanoide, virou-se lentamente em direcção ao sol, desdobrou um complexo par de paineis solares e imobilizando-se por completo, iniciou a sequência automática de recarga das baterias, ficando a aguardar, com aquela paciência de que só as máquinas são capazes, que um outro cientista se enfiasse no sofisticado fato sensorial, enviasse uma ordem por rádio, para oito minutos depois recomeçar a sua infindável peregrinação pelas sêcas e agrestes areias marcianas.

Diário de Bordo da Nave Espacial "Terra" - Tempo Estelar da Nova Era - 4 de Fevereiro de 2004

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